30 de jul. de 2008

Minha flor - agora eu entendo o pequeno príncipe...


Não se trata de uma rosa numa redoma de vidro amada e cuidada por um pequeno príncipe, como no livro de Saint-Exupèry. Era uma orquídea branca.


Cuidei dela por tanto tempo e agora meu coração tá doendo pois não sei ela vai sobreviver.

Ela chegou, floriu e perfumou a casa. Presente de uma pessoa importante, figurão. bem. isso não importa. Pela primeira vez eu teria um outro ser vivo sob minha inteira responsabilidade. Foi um exercício de dedicação. Eu jamias havia me dedicado a qualquer outra planta. Quando as flores começaram a murchar - eu sabia que isso um dia aconteceria - depois de dois meses, eu achava que ela não resistiria ao verão.

Pocurei ler tudo sobre este tipo de flor ornamental. As informações consultadas na internet e com amigos, ou colhidas em revistas, eram todas desencontradas. Deixar dentro de casa ou fora, à mercê do tempo? Regar uma vez por semana, duas três? Adubar? Fui seguindo meu instinto.
As flores caíram, o galho e as folhas foram perdendo a cor, ficaram amarelecidos. Sofreram um implacável ataque de fungos. Eu tinha certeza que aquele caule frágil, ressequido pelo clima, não me daria outras flores. Cuidava por desencargo de coinciência, achava desumano, ou seria desvegetano, simplesmente jogar o vaso no lixo.

Insisti nos cuidados, regava, deixei na varanda. se as orquídeas vivem nas árvores das ruas...não deu outra. Aos poucos a doença que deixou as folhas completamente manchadas, podres, foi cedendo. Cortei as partes mortas. Reguei e reguei. Ficou só um galho e uma raiz meio tímida. Por meses estive presente, ao lado dela, ali, espreitando aquele ser meio doente, torcendo, embora não achasse que ele lutava pra viver. A planta não esboçava reação aos meus cuidados. Parecia sucumbir...mas, para minha alegria, aos poucos a vida verde foi voltando...as folhas cresceram - lentamente, é verdade, - e o caule até me parecia mais grossinho. Comemorei quando notei os primeiros sinais dos brotos. Os brotos!!! Eles foram se assanhando, e eu não tinha mais dúvidas: teria uma nova florada!!! há um mês elas começaram a brotar, já eram quase quatro flores, branquinhas na frente e rosadas atrás.

Mas a gata, ah, esse ser..., a gata simplesmente, num ato de pura desconsideração com a minha flor, como se ela não fosse doce e frágil, como se não tivesse qualquer importância, tombou o vaso. O caule se dobrou. Acho que está irremediavelmente quebrado, embora não tenha se partido em dois. Fiz um curativo vegetal improvisado: amarrei o caule com um arame desses de pacote de pão de forma. Meu coração está apertado e mais uma vez me pergunto se a orquídea, que eu aprendi a amar e a quem dispensei tantos cuidados, esperança e energias positivas, vai sobreviver.

Estou triste.

Juca tanto fez que está lá, é ministro

Não me cabe aqui fazer milhares de críticas, boas ou ruins, à atuação do cantor e compositor Gilberto Gil como ministro da Cultura. Não pararia de escrever nunca. Aliás, os comentários podem trazer a percepção de vocês sobre o reinado dele.
A novidade - velha - é que ele vai sair. Já havia anunciado dúzias de vezes, só faltava dizer em que data apagaria a luz. Por seu elogiado e aguerrido trabalho à frente da Funarte, Antônio Grassi havia sido apontado, há um ou dois anos, pelas classes política e artística, como nome adequado para substituir o ministro, que desde que chegou fala na finitude de seu cargo. O tapete de Grassi, tanto na funarte como no governo foi puxado por uma pessoa, Juca Ferreira, que agora será...o ministro. No lugar de Grassi entrou o inoperante Frateschi, que há um ano ou mais ninguém sabe a que veio. Ser ministro é tudo o que Juca sempre quis. Sempre pôs palavras na boca do ministro Gil. É daquela turma cuja alcunha "ex-militante estudantil exilado"pesa como um sobrenome real.
A maior bandeira de Juca é a mudança da Lei Rouanet. Alega que ela está engessada mas ninguém entende qual é a real proposta. Sei lá viu. Estas coisas me desencantam. Isso não me cheira bem.
Aberto o debate sobre a política cultural brasileira dos últimos cinco anos e os dois que vêm por aí...

O meu Francisco

Para quem ainda não sabe, está na hora de divulgar: além do Caroço, escrevo também para o blog "Mães em rede", do Globo on line. Hoje, ainda sob o efeito da ultrasonografia que fiz na semana passada, publiquei um post sobre a surpresa de descobrir que serei mãe de um menino (o texto está reproduzido aí embaixo). Francisco vem aí!

O desafio de ter um menino

Primeiro, veio a emoção. Depois, confesso, o susto: eu vou ser mãe de um menino. Francisco se impôs a todas as certezas: a minha, de toda uma vida, de que seria mãe de menina (já tinha escolhido vários nomes ao longo dos anos: Marina, Sofia, Maria, Clara, Maria Clara...); a de amigas, da avó materna, da Carminha (a minha sobrinha de quase 3 anos que é minha inspiração diária), de conhecidos e até de quem nunca tinha me visto, mas me garantia que a barriga era de mulher. Há uma semana, não penso em outra coisa, a não ser em como devo fazer para aprender a criar um filho homem.
Quem me conhece sabe o quanto tenho, digamos, talento para faixinhas de cabelo, meias coloridas, roupas rosas, bonecas, brincadeiras de casinha e de princesa. Com três sobrinhos homens, até arrisco uns chutes, converso sobre Fórmula-1, sei o que é impedimento no futebol, mas... me bateu um medo danado de não saber brincar com meu filho. Ontem, levei o assunto à psicóloga, que, com uma frase, me ajudou bastante: nós temos é que aprender a ser mãe. A partir daí, chegamos juntas à conclusão que não importa se é homem ou mulher, precisamos entender quais as suas necessidades, conhecer seu temperamento, identificar suas peculiaridades e fazer tudo para tocar conforme a música. Enfim, a batalha é árdua, porém gratificante, independentemente do sexo.
Sobre ter menino, já ouvi muita coisa: "Os meninos te seduzem a vida inteira". "O menino sempre vai te achar a mãe mais bonita do mundo". "Você vai ser o maior amor da vida dele". É claro que estou feliz (chorei quando vi o piruzinho na ultra), ainda mais compartilhando a alegria com meu marido, que, desde o início, fazia cara de desconfiado quando, depois de medirem meu bumbum e meus quadris e avaliarem o formato da barriga, vaticinavam: "É mulher". Já até andei sonhando com batmans, super-homens e powers rangers (em algum momento da vida, os meninos ficam fascinados por esses personagens) e estou ansiosíssima para encarar o desafio.
Francisco já ganhou a primeira bola (do Botafogo), já tem lembrancinhas (do Botafogo) para serem entregues às visitas, já tem uniforme baby (do Botafogo), mamadeiras, chupetas e outros apetrechos (do Botafogo), já tem candidato a melhor amigo (o filho da amiga Débora, que será 3 meses mais velho e deverá ser flamenguista - eles que se entendam depois) e uma mãe (vascaína) que já está começando a se acostumar com a idéia de freqüentar o Engenhão (para as meninas que não acompanham o futebol, é o estádio do Botafogo).

26 de jul. de 2008

Brincadeira com Jung

"Minha vida foi singularmente pobre em acontecimentos exteriores. Sobre estes não posso dizer muito, pois se me afiguram ocos e desprovidos de consistência. Eu só me posso compreender à luz dos acontecimentos interiores. São estes que constituem a peculiaridade de minha vida..."

C.G. Jung, Memórias, sonhos, reflexões

25 de jul. de 2008

Medicina moderna

Diálogo no consultório de Medicina do Trabalho, às 14h do dia 25 de julho de 2008, Centro do Rio:

- Boa tarde. Qual o seu peso?
- Acho que 73 quilos.
- Qual a sua altura?
- 1,71m.
- Sua pressão é normal? Sabe quanto?
- Sim, 12 por 8.
- Está se sentindo bem, algum problema de saúde?
- Tudo ótimo (com a voz ainda alterada pela gripe).
- Ok, bom trabalho. Tenha um dia feliz.
- Obrigado, pro senhor também.

Um médico simpático, devia ter seus quase 50 anos. A consulta durou menos de 1 minuto. Saí de lá com o meu atestado de saúde ocupacional debaixo do braço, o documento confirma que estou apto a realizar minhas funções na empresa. Lamentei por aquele profissional, imaginando que eu me sentiria profundamente triste por ter transformado anos de estudo naquilo.

Dia do escritor - Brincadeira com João Cabral

Aproveitando as citações literárias por aqui, deixo a minha contribuição lembrando que hoje é o Dia do Escritor. Quem deu a dica foi o amigo Henrique Rodrigues, cujo livro de poesia "A musa diluída" recomendo com louvor. Segue seu email:

Hoje é comemorado o dia do escritor, desde um decreto governamental de 1960. O crítico francês Roland Barthes distinguia écrivant (escrivão, aquele que transmite uma mensgagem sem muito gueriguéri) de écrivain (escritor, o que se detém na forma e vai além das palavras, tentando costurar os vazios que existem por trás delas). Uma diferença pequena e imensa entre os dois termos. Vai em homenagem aos camaradas um dos metapoemas mais relevantes da nossa língua: "Catar feijão", do João Cabral.

Catar feijão
João Cabral de Melo Neto

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e o oco; palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.

24 de jul. de 2008

brincadeira com vinicius

A vida e Vinicius de Moraes foi um emaranhado de histórias que se conectam, se desmentem e se estranham. Personagens entram e saem, tronam-se protagonistas e logo depois se transformam em obscuras figurantes, num ritmo frenético. Mulheres se esbarram e disputam o mesmo coração. (...). Há um homem, chamado Vinicius de Moraes, que não consegue viver sem um grande amor.

trecho do prefácio de José Castello para sua biografia do poetinha, que começo a ler. presente de uma pessoa muito querida. vinicius meteu o pé na porta da minha vida este mês. curioso. dei um livro que eu queria ter a uma amiga, gardênia. depois ganhei o mesmo livro. tem um abismo entre a poesia e eu. este livro reunia artigos de vinicius. nao poemas. mas hoje, três relançamentos de dois dos primeiros livros do poeta me chegaram às mãos, e uma recente antologia poética, que não é a compilada pelo letrista, mas por dois poetas contemporâneos.
acho que vinicius quer me dizer alguma coisa. vou tentar passar pela rua montenegro esses dias e tomar um chopp no veloso para ver se o encontro.

Brincadeira com Clarice


“Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é.”

De Felicidade Clandestina, Clarice Lispector. Rocco, 1971.


E eu que, plena de arrogância, achava que já tinha lido tudo de Clarice, há exatos sete dias descobri o visceral conto “Perdoando Deus”. Desde então, rezo para dar de cara com um rato de esgoto.

Dois pesos, duas medidas

A Justiça condenou o MST a desembolsar R$ 5,2 milhões à Vale, outrora Companhia Vale do Rio Doce. O processo movido pela mineradora se refere à ocupação e interdição da ferrovia de Carajás, ocorrido em abril, pelo movimento (impressionante como a Justiça é rápida para condenar movimentos sociais).

E logo surgem os porta-vozes da "ordem" e da "legalidade" para condenarem as ações do MST. O discurso é quase sempre o mesmo: o movimento não conhece vias democráticas, ou prefere o uso da força, ou não respeita a livre propriedade e outros argumentos típicos do sistema neoliberal que nos é enfiado goela abaixo.

E isso não é exclusividade do MST ou dos outros movimentos agrários. Qualquer passeata no Centro do Rio, seja de funcionários públicos, de sem-tetos, de motoristas de ônibus, de bancários, de carteiros, é logo execrado pelos formadores de opinião de plantão. É comum ouvir a hipócrita frase: "A reivindicação deles é até justa, mas por que atrapalhar o resto da sociedade, o trânsito, os trabalhadores?".

A resposta é simples: porque no Brasil e na devastadora sociedade liberal que vivemos, só mesmo parando o trânsito, gritando alto do carro de som, interrompendo a ferrovia, a estrada, a rua, é que se tenta roubar um pouco a atenção de um povo forçadamente alienado pelo próprio sistema. Pois as mazelas e feridas desse país precisam competir com a preferência pelo Big Brother, pela Xuxa, pela Ana Maria Braga, pelo futebol, pelo Carnaval...

E por que trabalhadores não têm o direito de fazer sua manifestação e o Estado atrapalha nossa vida a todo momento? Afinal, o incompetente prefeito desta cidade é o primeiro a atrapalhar a vida dos cariocas. Todo verão tem um deslizamento de terra em uma favela, uma enchente em uma comunidade esquecida, uma epidemia de dengue. E em todo ano de eleição, o trânsito piora porque o Napoleão dos Trópicos resolve fazer todas obras ao mesmo tempo para mostrar serviço.

Disso, ninguém reclama. Ou não quer reclamar.

Brincadeira

Para animar o grupo, proponho que todos publiquem aqui trechos dos livros que estão lendo atualmente, citando o autor e o nome da obra, obviamente. Vou começar a brincadeira:

"Aquilo era o começo do nunca mais, pensou Maurício. E repetiu em pensamento: nunca nunca nunca mais. Porque quando uma pessoa morria, era para sempre. Mas não conseguia compreender palavras grandes como essas: nunca, sempre. Havia o dia de ontem, o dia de hoje e o dia de amanhã. Havia mesmo os dias de uma semana atrás, de um mês ou, com um grande esforço que quase fazia a cabeça estourar, os dias de um ano atrás. Mas sempre era muito mais que um ano; e nunca, muito menos que um segundo. Sempre e nunca - ele imaginava uma coisa muito grande e branca, que a gente olhava de baixo para cima, sem conseguir ver onde terminava. Luciana ia ficar para sempre na parede branca, para nunca mais voltar."

De Limite Branco, Caio Fernando Abreu. Agir, 2007.
Obrigado pelo presente, Lucas. A leitura me emociona a cada linha.

23 de jul. de 2008

A grilagem é branca


Interessante livro que meu tio australiano comunista me mandou (pois é.. existem comunistas na ilha do canguru) . Se chama Fredom Next Time. Não sei o nome da editora, mas o que posso dizer sobre a obra do jornalista e documentarista australiano ("crica" na biografia aqui) é que me remeteram muito a uma questão mutio sensível aos brasileiros sem cidadania, os moradores de Marambaia.

O livro trata sobre como o arquipélago de Chagos, localizado no Oceano Índico, próximo as Ilhas Maurício, foi negociada entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos na década de 60, na descolonização para a instalação de uma das maiores bases militares Norte-Americanas, Diego Garcia.

O jornalista vai entrevistando autoridades do Reino Unido na época da desapropriação de mais de 2 mil pessoas do arquipélago e métodos revoltantes de negação da terra à essas pessoas. A grilagem é um fenômeno de letrados, brancos de ascendência européia. Incrível.

Reconstituindo os fatos ele mostra como os governos dos EUA e do Reino Unido negaram a existência das pessoas para instalar a base. Simplesmente ignoraram. Até que não deu mais pra negar. Mentira tem perna curta, né?

Os chagosenses (tradução minha e livre) há mais de 200 anos na ilha, forma ignorados, deportados e exilados por força. Para "dar o recado" "espiões" ou melhor dizendo capatazes do Reino unido chegaram ao ponto de envenenar mais do 800 cachorros de estimação da população com recado de quem fosse ficar.... enfim... ("crica" aqui na luta dos caras )

Qualquer relação entre este caso e a disputa entre quilombolas e a Marinha na restinga da Marambaia é mera coincidência. Vale a pena ler o texto do jornalista (sem colega!!!!) Wladmir Platonow, ("crica" aqui !) sobre a espinhosa questão.

Os sem-cidadania são normalmente pobres, pretos e analfabetos, né?

22 de jul. de 2008

Coordenadas


Para mim, a Terra sempre foi plana. Foi e continua sendo. Nós é que estamos girando. Uns mais que outros, dependendo do grau de crença nas convenções. Tampouco creio em direita e esquerda. Desde cedo aprendi a desconfiar dos pontos de referência. Graças ao meu aguçado e desorganizado senso de direção, sempre paro 350 graus além de onde deveria estar. Tentei dançar, para ver se coordenava, mas descobri que quando se dança o corpo avança em círculos disformes, também sem qualquer referência. Até que, dia desses, fui avançando de rua em rua, pelo centro da cidade, até que cheguei muitos graus além de onde deveria chegar. Olhei ao redor e não havia mais ninguém, além de um ninguém coberto por um cobertor de farrapos e seu vira-lata. Perdida, recebi a referência que precisava para me coordenar por toda a vida: “Vá por onde o corpo mandar. Quem nunca se perdeu, não há de desperder-se”.
Foto: Marcelo Valle

16 de jul. de 2008

Todo dia, mas nem sempre igual

Delicada e perfeitinha, recém-casada, recém-mudada, recém-dona-de-casa-ultra-super-neurótica, ela foi ao banco pagar a conta da light. Faltavam ainda 10 dias para o vencimento. Se esperasse mais um pouco, entretanto, o dinheiro contado e separado poderia virar um vestido, um sapato, uma bolsa, um casaco.

Empurrou a porta da agência e reclamou do tamanho da fila. Abriu a agenda para pegar o boleto. Teoricamente, ele estaria grampeado três vezes na página com a data do dia. Não estava. Nem na do dia seguinte. Nem no início, nem no fim do ano. Respirou fundo e se prometeu ficar calma. Mas num impulso, virou a agenda de cabeça para baixo e sacudiu tantas vezes que sentiu o braço doer. Xingou a própria sorte, o céu, o inferno, o casamento e o marido (devia ser culpa dele!). Resignada, neurótica amadora, desistiu.

Visualizou o fim do mundo: a casa escura, o banho gelado, os capítulos perdidos da novela, o sorvete derretido no freezer, o silêncio do secador de cabelos. À noite, derrotada, entrou pela portaria do prédio disposta a engolir o orgulho e pedir colo. Ensaiou algo do tipo: "OK, você venceu, batata-frita. Perdi a conta de luz. Sou uma esposa lamentável".

Em um último e incompreensível ato de esperança, correu até a caixa do correio. E lá estava, iluminada, cor de abóbora, a conta da light. Pensou que, talvez, nunca a tivesse tirado dali. Mas notou que estava aberta e, dentro, encontrou uma carta:

"Cara Amiga, bom dia! Esta conta foi achada dentro do ônibus. Resolvi, como servo do Deus Altíssimo, devolvê-la em vossa residência. Que Deus te abençoe rica e profundamente. (...) Se um dia desejar visitar-nos, estamos na Igreja Batista Nova Filadélfia, em Rocha Miranda. Com a paz do Senhor Jesus, I.L. P.S.: Jesus te ama! Receba-o. Leia a Bíblia".

Emocionada por constatar que o mundo continuaria o mesmo, sentou para redigir uma resposta. De cara, pensou em algo assim: "Obrigada por sua ajuda, o sr é um homem bom. Mas assuma responsabilidade por seu ato de heroísmo. Tenha orgulho de si nesta vida e nesta terra. A servidão acabou". Pouco depois, cansada e agradecida às crenças alheias, apagou tudo e recomeçou. Escreveu apenas "Deus te dará em dobro". E lacrou o envelope.

15 de jul. de 2008

Minha vó stalinista x Bando de Safado

Leio jornais e blogs sobre o Caso Daniel Dantas. Fico com raiva, muita raiva, uma indignação e revolta que não me contenho. Aliás, estou escrevendo sobre isso: não me contive.

Ao ler o sen-sa-cio-nal Bob Fernandes no Terra Magazine, fiquei de tal forma indignado que não titubeei. Digitei www.google.com.br, as veias estavam latejando de raiva, o semblante cerrado na frente da tela do computador.

Digitei "Banco Opportunitty". Abriu um site bonito, simples, discreto, com dois telefones de contato; um do Rio de Janeiro, outro de São Paulo. Escolhi o do Rio. Liguei.

É. É isso mesmo. liguei pro Banco Opportunitty. Só de raiva. Atendeu um rapaz educado. Atendentes recebem para ser educados. Porteiros recebem para serem discretos. É a regra . Daí falei , mas com muito ódio no coração:

- É do Banco Opportunitty?

- Sim- respondeu.

- Do Daniel Dantas? - insisti

- Sim, senhor.

Aí explodi:

- Bando de safado!

Dasabafei. Meio que fora de mim tomado por uma força maior, de uma coragem que eu não sabia que tinha. Me senti extasiado, satisfeito, completo. Dever cumprido. Pronto, sou um cidadão com voz ativa. Protestei!

Depois deste ato irracional de cinco segundos e intenso como um soco na cara de um inimigo, como um cuspe na cara do canalha e de pura revolta, voltei à minha mediocridade e à minha cidadania mediana. Desliguei. Covardemente.

Grande bravata!!! Continuo no mesmo lugar, na frente da minha tela de computador. lembra da indignação, que "não ultrapassava a janela de nossas casas" na música do saudoso Skank do começo, que tocava na rádio Fluminense. Agora ela não vai além da janela do google.

Mesmo assim, fiz. Sem pensar, mas fiz. "Fi-lo porque qui-lo". Acho até que tudo isso foi só pra contar depois a história para minha avó, Dona Noêmia. Pernambucana, moradora de Nilópolis, ex-membro da célula do Partido Comunista de Nilópolis, enfermeira aposentada do Hospital do Fundão, mãe dez filhos, dos quais 7 fizeram universidade.

Pois é. Esta senhora de cabelos brancos, olhos azuis como pepitas de águas-marinhas rústicas,
minha stalinista avó, ouviu e soltou uma gostosa gargalhada, creio eu que de aprovação (fiz tudo isso para ter a sua aprovação, analisando agora):

- Ahahaha, é isso aí meu filho - e com seu sotaque do sertão de pernambuco falou - Bando de safaaaado!

Dona Noêmia, que tem por animal de estimação uma arara, em seguida me lembrou de algo que acho que nenhum jornalista hoje deve lembrar:

- Meu filho, este crápula do Gilmar Mendes ganhou um dinheiro extra e toda a sua corja tinha um jatinho pra correr o Brasil inteiro pra derrubar as liminares da privatização da Vale do Rio Doce!!!!

Taí. Nem lembrava disto! Depois de uma pausa emendou:

- É um lesa-pátria - disse, Dona Noêmia, minha referência de ética, conduta, honestidade e de luta contra injustiças. Querida avó, termo mais em desuso lesa-pátria, não? Pode ser, vó que o termo esteja adormecido, pode ser. Mas como diria Seu Jorge no disco do Farofa Carioca, "O povo não é brinquedo não"!!

Ô revolta!!!

13 de jul. de 2008

VÉU – Breves errâncias da mente de uma noiva, 75 dias antes

Quando homem e mulher dormem juntos, entrelaçados, os sonhos pairam frenéticos sobre os corpos, sem saber onde pousar.

Um par de pés deve cobrir o outro par de orelhas, para que cada sonho encontre seu respectivo dono.
Deve-se doar como mulher e receber como menina. Receber o sonho e a coisa toda, que em cinza até então dormitava.

E depois se reacender inteira, em ondas de corpos que vem e vão.

12 de jul. de 2008

Qual é a sua rotina?

Adoro assistir a comerciais de TV. Confesso. Diante de tantos assuntos importantes discutidos aqui, fico até um pouco assim assim de trazer este sopro de leveza. Uma empresa brasileira de cosméticos acaba de pôr no ar um novo filme publicitário e a trilha sonora é um lindo poema. lembra muito Arnaldo Antunes. Muito. Mas não me dei ao trabalho de apurar se é mesmo dele. Arnaldo Antunes é a minha trilha sonora. Com seu cdaracterístico jogo de palavras me emociona profundamente. Claudia Lamedo lembrou de um jingle de um famoso comercial de fast food posts abaixo. Diz aí que um jingle desses não é muito mais interessante? Um pouco de poesia publicitária para o dia de vocês:

A idéia da rotina é o papel
O céu é a rotina do edifícil
O início é a rotina do final
A escolha da rotina é o gosto
A rotina do espelho é o oposto

A rotina do joranl é o fato
A celebridade é a rotina do boato
A rotina da mão é o toque
A rotina da garganta é o rock

O coração é a rotina da batida
A rotina do equilíbrio é a medida
O vento é a rotina do assobio
A rotina da pele, é o arrepio.
A rotina do perfume é a lembrança.O pé é a rotina da dança.Julieta é a rotina do queijo.A rotina da boca, é o desejo.
A rotina do caminho é a direção.A rotina do destino é a certeza.Toda rotina tem sua beleza.

11 de jul. de 2008

REPOSTAGEM: CINE PULGUEIRO, BOM PRA CACHORRO



CINE PULGUEIRO


Marcelo Valle( Magoo)

Pelo pêlo segue a pulga, ignorando as rugas de uma testa franzida e suada. Os olhos em festa, já quase vencidos, semicerrados se esforçam na escuridão para acompanhar o movimento na tela. No ar, o som das gargalhadas se mistura ao cheiro de couro das poltronas doces. Pipocas e perfumes baratos. As cadeiras duras, machucadas, recheadas de palha ainda acomodam muita gente. A casa está cheia como não se via há tempos. Até as primeiras fileiras foram tomadas. O mofo lentamente se espalha pela parede. O filme é velho como todos os outros que por ali passaram, estrangeiro também, o que de fato não importa. Sobra espaço para reinventar os discursos. Alguns, mais metidos, ruminam as palavras de fora. Grupos de meninos, sempre em grupos, comentam o beijo estampado. Meninas encabuladas, rapazes excitados, moças alvoroçadas. Os velhos recordam e as senhoras...Ah...as senhoras! Essas não estão assim tão cheias de pudores, querem mais é sonhar com o novo galã, agora velho. Lá fora a missa acabou e ninguém imagina que a cidade esteve em polvorosa, às beiras de uma revolução. A sessão era de graça, mas todo mundo fez questão de pagar. A revolução?!...Bem... foi por causa do cinema.
Chegou alguém na cidade, não se sabe quando, nem de onde. Dizia falar em nome de Deus, todos logo desconfiaram. Afinal, se Deus criou o mundo, é bem capaz de falar por si só. Além do mais, já estavam acostumados com o padre. Pastor ali, só de cabras. Muito dinheiro ele tinha para arrebatar o que bem pudesse. Não o que quisesse, e assim foi. O cinema continuou cinema. Em nome de Deus foi embora, mas voltou tempos depois. Trouxe consigo, o Diabo. Ele mesmo, o fancho, pé de bode, arrenegado. Entrou o rabudo no cinema espalhando enxofre pra todo lado, achando, coitado, que com o cheiro forte espantaria a freguesia. De nada adiantou. Tentou de novo trazendo as pulgas. Eram tantas, que cobriam as cadeiras. Mas aquele povo tinha sangue de sobra, sabe-se lá quanto. E muitos cachorros na cidade havia. Logo as pulgas encontraram os cachorros. Mas o Diabo não desistia, começou então, a tramar a demolição. Logo, logo descobriu-se a intenção. E a cidade virou um inferno. O Dito Cujo tentou tentar a todos. Madalena, Rita, Sebastião, José, Bárbara, Benedito, Jorge, Conceição, Gabriel, Luzia, Cosme, Maria, Cristóvão e Damião, Eulália, Genoveva e Teresa...todo mundo ali tinha nome de santo, mas de fato ninguém era, nem por isso o Diabo teve vez. Foi escorraçado, coitado, o Cão com o rabo entre as pernas! De vermelho ficou branco, coberto de penas, até parecia um anjo. No dia seguinte o cinema, com muito orgulho, foi rebatizado de Pulgueiro. Algumas pulgas ali, definitivamente se alojaram, pulgas que gostam de filmes. A sessão estava cheia. E lá no fundo, com a testa franzida e suada, Deus assistia a tudo e ria...

10 de jul. de 2008

Corra que a polícia vem aí!


Todos os dias pela manhã leio apressadamente as manchetes dos jornais em alguma banca do caminho que me leva até o trabalho. Dou preferência aos jornais "popularescos". Hoje numa banca de esquina, em um rua qualquer de Botafogo, uma manchete estampava o seguinte: "Policiais matam 15 vezes mais na Zona Norte do que na Zona Sul".
Atrás de mim um policial com uma cara de desconforto e preocupação comentava o seguinte:_Pô, sacanagem! Já tão querendo aumentar nosso trabalho, vamos ter que trabalhar 15 vezes mais e o salário... ó!

A ausência nos 50 anos da Bossa Nova

Neste blog, temos falado muito pouco do "dia em que a Bossa Nova inventou o Brasil", nas palavras de Tom Zé. Apaixonado pela Bossa Nova (ou pela maior parte dela), tem me incomodado uma visão do movimento que a mídia sempre vendeu: a Bossa Nova feliz, a Bossa Nova da boa consciência.

Desde que vi o documentário Vinicius, dirigido pelo Miguel Faria Jr., passei a me perguntar por que uma parte da Bossa Nova (justamente a mais política ou social) é praticamente ignorada, ou relegada a um terceiro plano (nem a um segundo). Não podemos nos esquecer da ligação de alguns compositores da Bossa Nova, principalmente Carlinhos Lyra, com o CPC da UNE no final dos anos 1950. O próprio Lyra falou sobre isso na Flip deste ano. (Lyra era talvez o mais "bossanovístico" do CPC, junto com outros como Edu Lobo e Dori Caymmi, que também tiveram ligação com a UNE.)

Além de Lyra, Nara Leão fez um disco maravilhoso de "bossa nova social" em 1964. Nesse disco, ela gravou "Maria Moita", de Lyra e Vinicius de Moraes - que começa com os versos "Eu nasci de mucama com feitor / o meu pai dormia em cama / minha mãe no pisador" -, além da "Marcha de Quarta-Feira de Cinzas".

O centro de onde emanavam todas as bossas novas era, claro, Vinicius de Morais. Além de participar da primeira revolução, há 50 anos, o Poetinha foi ativo no desvio para uma música mais engajada. E foi protagonista, com Baden Powell, de uma revolução dentro da revolução: os afro-sambas. (Uma revolução que não foi daquelas que eliminam o que vem antes, mas das que ampliam tudo ao redor.)

Estou ouvindo o disco "refeito" dos afro-sambas (Baden não gostou do resultado na época e regravou em 1991), e a cada audição acho mais incrível como eles conseguiram fazer uma leitura sofisticada da música popular a partir de elementos totalmente diferentes da Bossa Nova "lírica", indo em busca de raízes ainda mais tradicionais (não entendam isso como um valor, apenas que parece mais "música de terreiro" ou qualquer coisa assim do que samba-canção). Os afro-sambas é um disco que deve ser ouvido inteiro. Apesar de belas separadamente, músicas como "Canto de Ossanha" ganham uma nova dimensão no conjunto. O que João Gilberto fez com o violão harmônico, Baden fez com o percusivo. Na minha pequena cultura de samba, o que mais me lembra o disco é o LP Gente da Antiga, de 1968, que recuperava João da Baiana, junto com Clementina de Jesus e Pixinguinha.

A importância de resgatar a Bossa Nova social não é dizer que ela é melhor do que a lírica por ser engajada, mas mostrar como esse movimento foi rico, plural e como está ligado profundamente com a MPB que foi feita antes e depois daqueles dois discos que abalaram o mundo: Canção do amor demais e Chega de Saudade.

imagem: Nara Leão e Carlinhos Lyra com Silvio Caldas.

Para divertir, o Baden em Saravah:

9 de jul. de 2008

Sessão nostalgia

Foto: Vítor Hugo


Xiboquinha
bibs de passas
sanduíche de pão torrado
com pasta fria de atum

Grama podada
e o professor perguntando
à aluna na porta da biblioteca
Quer um baseado?

O sol se põe na baía
e ninguém se importa
com os casais que se enroscam
na grama com mancha de vinho

Mas atenção, um cartaz anuncia a boa nova
A antiga estação Cantareira será reativada
proibido forró, xiboquinha ou Sangue de Boi
a moda agora pede luzes piscando numa taça de espumante

8 de jul. de 2008

Prepare-se!

Mais um crime bárbaro resultou na morte de uma criança de 3 anos de idade. Menos de 12 horas depois, cartazes de políticos invadiam as ruas da cidade. Um deles me chamou a atenção pelos dizeres: "Quero o meu Rio de volta". Ironicamente, uma política que fazia parte do grupo que destrói o município há quase duas décadas. Fiquei imaginando, que cartazes os pais dessa criança estariam empunhando. Talvez algo como "Quero meu filho de volta".


À tarde, o secretário e o governador dizem que a polícia está despreparada. Logo eles, que são os responsáveis pela polícia, dizem que ela está despreparada. Mas a cidade, o estado, o país estão preparados para quê? Como exigir preparo de um PM se o comandante dele não é preparado, visto que o secretário responsável por sua corporação não tem qualquer preparo, já que o chefe executivo do secretário também não está preparado para o cargo.


Nesse meio tempo, outra pessoa, desta vez uma dona de casa, morria dentro da sua própria residência na Vila Cruzeiro, vítima de mais uma malfadada bala perdida. Ela podia estar preparando uma comida, quem sabe, ou se preparando para sair.


O despreparo é uma espécie de instituição enraizada e viciada no país, uma vez que no cargo máximo da nação também se encontra um despreparado. E sabe-se lá quantos despreparados ainda estão por vir. Eles já estão por aí, espalhados pelos cartazes.


O cidadão, é claro, este tem de estar sempre preparado. Preparado para ser explorado no trabalho, para ser amarrotado no ônibus, para ser alvejado na rua. Os pais dessa criança, agora, estão preparados para enterrá-la. E os filhos daquela senhora precisam se preparar para sepultar mais um número, mais uma estatística.


O crime de todos? Nascer no Brasil.


Desculpem a pieguice e a dramaticidade. É apenas o desabafo de um pai e de um filho que não está preparado para nada disso.

Krazy Kat

Há algo de perverso num triângulo amoroso entre um rato, um gato (ou uma gata?) e um cachorro... E eu que pensava que "Tom e Jerry" era politicamente incorreto.

7 de jul. de 2008

Prepare-se!

Mais um crime resultou na morte de uma criança de 3 anos de idade. Menos de 12 horas depois, cartazes de políticos invadiam as ruas da cidade. Um deles me chamou a atenção pelos dizeres: "Quero o meu Rio de volta". Ironicamente, uma política que fazia parte do grupo que destrói o município há quase duas décadas. Fiquei imaginando que cartazes os pais dessa criança estariam empunhando. Talvez algo como "Quero meu filho de volta".


À tarde, o secretário e o governador dizem que a polícia está despreparada. Logo eles, que são os responsáveis pela polícia, dizem que ela está despreparada. Mas a cidade, o estado, o país estão preparados para quê? Como exigir preparo de um PM se o comandante dele não é preparado, visto que o secretário responsável por sua corporação não tem qualquer preparo, já que o chefe executivo do secretário também não está preparado para o cargo.



O despreparo é uma espécie de instituição enraizada e viciada no país, uma vez que no cargo máximo da nação também se encontra um despreparado. E sabe-se lá quantos despreparados ainda estão por vir. E eles já estão por aí, espalhados pelos cartazes.



O cidadão, é claro, este tem de estar sempre preparado. Preparado para ser explorado no trabalho, para ser amarrotado no ônibus, para ser alvejado na rua. Os pais dessa criança de 3 anos, agora, estão preparados para enterrá-la.



O crime de todos? Nascer no Brasil.



Desculpem a pieguice e a dramaticidade. É apenas o desabafo de um pai que não está preparado para nada disso.

Odeio muito tudo isso

Diálogos

O rapaz entra nos supermercados Campeão, ex-Rede Economia, em Botafogo, e pergunta à atendente onde ele pode encontrar gergelim.

_ Gergelim? Desculpa, moço, mas não sei o que é isso.
_ Não? Mas, você conhece aquela musiquinha do Mc Donald's? Do hambúrguer?
_ Conheço. "Dois hamburgues (sic), alface, queijo, molho especial, cebola, picles e um pão com gergelim..."
_ Pois é, gergelim. Viu como você conhece?
_ Ué, mas pensei que fosse só no pão. Vende separado esse negócio?

Na dúvida, o rapaz foi até o hortifruti e fez o resto das compras.

6 de jul. de 2008

Marchínias no Norte!

Que tucupi que nada... Os patinhos e o jambu são uma beleza, viva eles, mas em Belém do Pará a camisa 10 é dos sorvetes Cairu.

Já tinham me avisado que era isso tudo e um pouco mais e, ainda assim, foi uma grata surpresa. Bacuri, açaí, castanha do Pará, tapioca... Tudo espetacular, além do preço, bem mais camarada que nosso extorsivo mil frutas. Resultado: na volta ao Rio, dezenas de caixas de isopor engrossaram a bagagem da caravana das marchinhas.

Não que o pato ao tucupi não tenha agradado ao povo. Muito pelo contrário: servido do modo tradicional ou como bolinho (na Estação das Docas, acompanhado da ótima Amazon Beer, de fabricação local), foi prato de todas as horas.

Aind'assim, foi caminhando muito (pra variar... e aliviar a culpa) que Belém – que eu só tinha experimentado através da Cerpa e dos sabonetes Phebo – virou minha grande surpresa da turnê.

A começar pelo espetáculo do dilúvio que nos recebeu por lá, digno de arca de Noé, com aqueles pingos de litro. É a famosa chuva que cai toda tarde (mas que não caiu no dia seguinte) e que faz com que as ruas precisem de canaletas – como pistas de boliche (na foto aqui à direita) – para escoar o aguaceiro.

Foi por essas ruas que, caminhando horas a fio, fiquei algumas vezes boquiaberto: com a arquitetura dos prédios remanescentes do ciclo da borracha (a maioria muito bem conservada), com o altar da Basílica de Nazaré (onde termina a famosa procissão do círio, em outubro), com o Museu Emílio Goeldi (parque que concentra espécies da flora e fauna locais).

Pelas mesmas ruas, um mundo de gente aproveitou o sol no domingo de manhã para fazer uma festa de rua das mais bonitas: era o Arraial do Pavulagem, boi das antigas com boa música pro povo dançar e azuis para todos os gostos – até os antagônicos, como torcedores de Paysandu (azul claro) e Remo (mais escuro).

Depois do boi, fui ao mercado Ver-o-Peso pra rir com as vendedoras de garrafada (“Qué spantá uiado? ...cabá ca impotença? ...prendê dinheiro? Vem aqui que a Tia Sueli resolve!”) e sair meio decepcionado com o resto.

Ali perto, há surpresas melhores no Forte do Presépio e na Casa das Onze Janelas – centros culturais vizinhos que guardam belos acervos.

Mais adiante na mesma beira de rio, chega-se ao Mangal das Garças, parque imperdível que tem viveiros a serem passeados pelo visitante (óia eu aê do lado!), uma vista linda do alto do Farol de Belém e um restaurante espetacular(mais um!) para o cabra repor energia com algum peixe de rio - por exemplo... o filhote grelhado com risoto de jambu!

Fechando a conta, mais um golaço de Belém: para quem for de choro, o Bar do Gilson tem uma roda de primeiríssima na sexta à noite!!!

Contra a lei de Azeredo, assine a petição online

Os professores André Lemos e Sérgio Amadeu e o publicitário João Carlos Caribé tomaram a iniciativa de criar uma petição online contra o projeto de lei do senador Eduardo Azeredo, que pode acabar com o uso livre da Internet, como dissemos dois posts atrás.

O projeto deve ser votado no dia 9 de julho, por isso, assinem a petição e divulguem para o maior número possível de pessoas. O endereço é: http://www.petitiononline.com/veto2008/petition.html

4 de jul. de 2008

A (falta de fascínio pela) Cobertura Jornalística e o Menino do Sorvete


Ontem o Presidente Lula participou do lançamento do Plano Safra Mais Alimentos da Agricultura Familiar.

Enquanto Repórter do Ministério do Desenvolvimento Agrário (um órgão que existe, mas a imprensa acha que é ou o Ministério da Agricultura, ou Ministério da Reforma Agrária, antigo nome) fui cobrir a passagem do Lula na exposição montada na Esplanada dos Ministérios de tratores e maquinários voltadas aos agricultores familiares.

Confesso que já não tenho mais o encanto que presenciei de alguns jornalistas ainda têm (não gosto de chamar de colega, pois não estudaram no mesmo colégio que eu e nem tenho relações de parceria com estas pessoas).

Sobretudo em Brasília, onde a cobertura política é de fato uma das áreas mais dinâmicas do jornalismo, é interessante notar o que esta pretensa proximidade do poder que o jornalista aqui tem exerce em seu comportamento, em suas opiniões e conseqüentemente em seu trabalho, sobretudo os jornalistas de sucursais dos grandes jornais.

Mas o maior motivo da falta de fascínio pela cobertura jornalística se dá em algumas práticas cotidianas. Os fotógrafos, muitos verdadeiramente baita profissionais (aliás, vale a pena ver este link: www.baitaprofissional.blogspot.com) o clima de "pipa avoada" era incrível. A competição entre eles e a necessidade de ter a foto são muitas vezes demonstradas de forma atabalhoadas. (incluo os câmeras nessa também).

Quanto aos "canetinhas", repórteres que vão escrever a matéria, há sempre aquela espera bem chata pra ver se o Lula vem ou não falar com a imprensa. Muitas vezes não vem e, quando chega, fica aquela neurose pra enfiar o microfone na goela do camarada, em fazer a pergunta. Desculpem-me todos as pessoas que escolheram a mesma profissão que eu. Já achei o máximo a cobertura deste tipo de coisas. Não guento mais. É muito chato.

Todas estas situações me lembram de quando eu era menino em Nilópolis e pegar uma pipa (ou um balão) era uma das coisas mais valiosas. Mostrava bravura, habilidade, impulsão e significava levar pra casa um troféu de quem "vence na competição"("tá na mão", "sai, sai" "é minha, e minha"). A diferença é que depois de grande já não tem mais tanta graça. A adrenalina não é a mesma. Desculpem-me os yuppies do mercado financeiro, mas a busca por pipa e balão mexem muito mais com a adrenalina (ou quem sabe os bons bookers do mercado eram crianças boas em correr atrás de pipas e balão).

Outro comportamento engraçado, só que do outro lado da cerca do cerimonial da presidência, é o dos seguranças da Presidência. Parecem todos terem surgido do filme Matrix, com aquele ponto no ouvido, um pretenso jeito discreto, terno e óculos escuro. Ok, eles estão fazendo o trabalho deles, tudo bem.

Mas são caricatos. Melhor, a situação da cobertura jornalística é caricata! Todo aquele clima de credenciamento e tal. As cercas com grades, para impedir o comportamento animalesco e irracional de nós jornalistas para falar com o presidente. A cerca é para os jornalistas. Sei lá, perdeu qualquer encanto esse tipo de trabalho.

Ainda bem que a vida é bem mais. E para mostrar o quanto é ridícula a situação de uma cobertura como essa, só mesmo um menino de 5 anos, que corre atrás de pipa e de balão. Alheio a tudo o que acontecia, mas olhando tudo com curiosidade de um menino, por ser pequeno e magrinho, entrava e saia do cercado, passando entre as grades, por ser pequenino do lado dos jornalistas pro dos seguranças e vice-versa.

Nesta brincadeira de passar entre as grades ele se aproxima de um senhor, seguido de cerca de 30 puxa-sacos, entre ministros, governadores papagaios de pirata, querendo aparecer ao lado do presidente, ... ele passou na cerca e entrou na frente do Lula.

Ninguém esperava isso, nem o menino esperava que todos iam parar por um segundo e olhar pra ele. O Lula não entendeu quem era o menino. O menino não entendeu quem era o Lula. O Presidente abaixou para falar com ele. O menino não quis muito papo e saiu de perto da confusão. Parecia mais interessado no comportamento da horda de fotógrafos e suas máquinas maravilhosas e na exposição dos tratores, máquinas realmente incríveis. E saiu dali do burburinho.

Depois ficou do lado dos repórteres observando aquela maluquice como quem vê televisão e acha tudo muito diferente. O pirralho tava na dele. Tomando um sorvete de morango, na boa. Foi então que um jornalista ao meu lado pergunta pra ele, em linguagem fática, pra estabelecer uma conversa:

-Tá gostoso o sorvete?

Ele responde "urrum". Bem informado que somos nós jornalistas, e, inquisitores que somos para extrair depoimentos, perguntou também qual o time dele, querendo saber se ele era Fluminense. Ele responde que é "Brasil, Brasiliense, Corinthians" e um outro time que eu confesso que não lembro. O gaúcho respondeu em tom de piada:

- Bah , guri, assim tu não perde nunca!

O "guri" achou melhor não responder também e voltou para o seu sorvete de morango. O jornalista então, gaiatamente, diz pra ele ofercer o sorvete pro Lula, pela mobilidade que ele tinha de passas entre as grades. O menino gostou da brincadeira, riu, mas depois pensou e perguntou:

- Quem é Lula?

O repórter gaúcho achou melhor não responder que era o presidente da república, fundador do PT, histórico líder dos metalúrgicos, e três vezes candidato, etc. O menino não ia nem ligar mesmo e ia voltar pro sorvete. Então ele apontou pra um velho de barbas e cabelos brancos, terno claro e boné da Embrapa, em cima de um trator.

O menino então passou sem cerimônias pela cerca do cerimonial e foi oferecer o sorvete aquele senhor meio baixinho. O Lula não entendeu de novo, mas declinou da oferta e o menino resolveu sair de perto, pois tinha muita gente e ele queria comer seu sorvete de morango com calma.

Acho que se eu pedisse ele me daria um pedaço. Desconfio até que se o jornalista gaúcho falasse pra ele oferecer para qualquer outra pessoa ele ofereceria. Sem problemas. Aos jornalistas envolvidos nestas coberturas, bom trabalho.... Eu tô fora! Prefiro ver o menino.

3 de jul. de 2008

Projeto em votação no Senado compromete o uso livre da Internet


Alguns posts atrás, o leitor Carlos Augusto comemorou o fato de estarmos discutindo, no Brasil, novas formas de circulação e comercialização de bens culturais, graças a Internet. No entanto, este discussão pode sofrer um grande baque.

Tramita no Senado federal em regime de urgência o Projeto de Lei (PL) 89/2003, de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB), com o objetivo de tipificar os chamados "crimes cibernéticos ou de informática". Amparado no argumento do combate à pedofilia, o projeto ganhou apoio da base governista e caminha para ser aprovado, JÁ NA SEMANA QUE VEM, sem maiores discussões.

Alguns dos principais prejuízos que a sociedade brasileira vai ter com o PL são:

1) a criminalização do acesso e da troca de dados (arquivos de texto, imagem, som, etc.) via Internet (redes P2P), sem a prévia autorização de seus autores. Isso afeta a utilização cotidiana de aparelhos celulares, IPods, tocadores de DVD, conversores de tv digital, etc., e a produção de Fanfictions, Fansubbers e outros formas de recriação. Como diz o sociólogo Sérgio Amadeu em seu blog: "Azeredo quer bloquear uma das principais condições para a criatividade que é a reciclagem de idéias, a possibilidade de compartilhar bens culturais".

2) a possibilidade de apreensão e utilização dos dados eletrônicos em juízo (incluindo conversas telefônicas via Skype, correio eletrônico, fluxos de Webcams, etc.), que podem transformar milhares de usuários em réus. Os provedores são obrigados a monitorar "dados de conexões realizadas, os dados de identificação de usuário e as comunicações realizadas daquela investigação" e a fornecê-los de forma sigilosa à polícia, sempre que solicitado. O usuário, ao contrário do que prega o direito democrático, não fica sabendo que está sendo vigiado.

A preocupação maior dos especialistas que acompanham o andamento do PL é o fato do Brasil estar estabelendo uma regulamentação criminal para a Internet, podendo comprometer o uso livre da Web. Segundo Ronaldo Lemos, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV-Rio, em entrevista ao site Observatório do Direito à Comunicação, o Brasil precisa sim de uma regulamentação para a Internet, mas uma regulamentação civil que trate de questões como privacidade, comércio eletrônico e a responsabilidade dos provedores da Internet.

"Após essa experiência legislativa ser posta em prática, é preciso avaliar dentro de alguns anos o que deu certo ou não e aí sim, como última instância regulatória, tratar da questão nos casos excepcionais através do direito penal", argumenta.

Sérgio Amadeu, ainda em seu blog, sugere que todos entrem em contato com senadores de seus estados para que vetem os artigos polêmicos do projeto.

P.S.: Este post foi publicado também em outro blog de que participo, o Labcult. Aos que lêem os dois blogs, meu pedido de desculpas.

Semente de conto - O LIBERTADOR

Enquanto a multidão tricolor se equilibrava sobre os braços das cadeiras, maldizendo o pescoço pequeno demais para alcançar o gramado, ele permanecia sentado, cabisbaixo, com as mãos espalmadas sobre o chão. Sentiu o cheiro da fumaça dos fogos de artifício, brincou com o vapor de pó de arroz que envolveu sua nuca, segurou o peito ao ouvir o forte apito inicial. As cadeiras todas rangiam ao mesmo tempo, com o incansável trotar de 160 mil pés. Se agarrava como podia ao chão já lavado de suor e cerveja, rei absoluto da área do Maracanã que se via desde abaixo do joelho. Apesar de extasiada com o espetáculo tricolor, uma força maior, quase mágica, atraía meus olhos em direção a ele. Trinta segundos antes do gol adversário ser anunciado, ele soltou um urro de desespero. Logo em seguida, a multidão o acompanhou. Na tentativa de driblar a dor pela inesperada ameaça de derrota, afastei os olhos do gramado e comecei a assistir ao espetáculo pelos olhos dele. E vibrei, em insana euforia, trinta segundos antes do primeiro gol tricolor e outros trinta antes do segundo. Emocionada, lancei-me também ao chão, que se movia tal qual mar revolto. Esperava com a ansiedade da criança que aguarda o presente de Natal o celebrar precipitado daquele humilde profeta, coberto por uma bandeira rasgada e quase incolor. Trinta segundos antes do terceiro, chorei de felicidade, abraçada aos meus, pedindo a Deus um último vibrar profético daquele santo libertador. Mas trinta segundos antes da partida terminar, ele tirou os óculos escuros e exibiu duas pupilas enxarcadas e tão brancas quanto a sigla do Fluminense estampada na velha bandeira.

A batalha

Ninguém mais do que eu gostaria de escrever hoje sobre glórias e vitórias. Sobre conquistas e comemorações. Só que a realidade cruel e injusta do futebol quer me forçar a lamuriar a angústia de uma noite trágica. Mas isso seria injusto. Injusto com os guerreiros do dia 2 de julho. Focar apenas alguns minutos de cobranças infelizes de pênaltis seria desmerecer os bravos tricolores, vivos e mortos, em campo, nas arquibancadas, nos bares e nas casas. Foi uma luta árdua, uma noite mágica para dizer a verdade.
Seria ainda mais injusto esquecer as batalhas vencidas anteriormente e as alegrias proporcionadas. Quando todos nos davam como vencidos e mortos, provamos nosso brio e superamos inimigos considerados imbatíveis pela opinião geral. Calamos os críticos, matamos em campo, avançamos no front.
Veio a noite de 2 de julho. E os guerreiros foram mais guerreiros do que nunca. A torcida foi mais torcida do que nunca. O verde da esperança foi mais verde do que nunca. O destino cruel, que, sabe-se lá quem traça, porém, atravessou o caminho da glória. Pesou nas chuteiras dos melhores lutadores daquela batalha na hora decisiva. Caiu de forma fria nas mãos do arqueiro. Caiu como a água que desceu dos rostos de 80 mil testemunhas vivas de uma batalha épica. Caiu como uma face vermelha em braços confortantes.
A batalha estava perdida, é verdade. Mas lançando mão do lugar-comum mais comum que existe, outras batalhas virão e a guerra perdura. E os guerreiros se postarão novamente para calar adversários e cicatrizar os corações tricolores. É o que movimenta o orgulho e a paixão pelas três cores. É o que torna o sangue mais encarnado, o verde mais esperançoso e o branco mais harmonioso. É o que nos faz ter orgulho de ser tricolor. É o que nos faz amar eternamente esse clube.
Obrigado Fluminense. Obrigado por proporcionar momentos eternos. Momentos que reforçam a nossa paixão e nossa lealdade pelo manto tricolor. Onde buscamos força para superar a dor. Onde buscamos força para as próximas batalhas. Onde buscamos força para as futuras glórias e alegrias. Que venha o próximo...

Sobre futebol (aproveitando o jogo de ontem...)

Não gosto muito de postar citações mas esta vale a pena, retirada de uma antiga edição do "Mais!" da Folha de S. Paulo (o autor vai depois do texto, porque é surpreendente):

"Assim, justamente por razões de cultura e de história, o futebol de alguns povos é fundamentalmente de prosa, seja ela realista ou estetizante (este último é o caso da Itália); ao passo que o futebol de outros povos é fundamentalmente de poesia.
Há no futebol momentos que são exclusivamente poéticos: trata-se dos momentos de gol. Cada gol é sempre uma invenção, uma subversão do código: cada gol é fatalidade, fulguração, espanto, irreversibilidade. Precisamente como a palavra poética (...) O drible é também essencialmente poético (embora nem sempre, como a ação do gol). De fato, o sonho de todo jogador (compartilhado por cada espectador) é partir da metade do campo, driblar os adversários e marcar. Se, dentro dos limites permitidos, é possível imaginar algo sublime no futebol, trata-se disso (...)
Quem são os melhores dribladores do mundo e os melhores fazedores de gols? Os brasileiros. Portanto o futebol deles é um futebol de poesia - e, de fato, está todo centrado no drible e no gol.
A retranca e a triangulação é futebol de prosa: baseia-se na sintaxe, isto é, no jogo coletivo e organizado, na execução racional do código. O seu único momento poético é o contrapé seguido do gol (que, como vimos, é necessariamente poético). Em suma, o momento poético do futebol parece ser (como sempre) o momento individualista (drible e gol; ou passe inspirado).
O futebol de prosa é o do chamado sistema (o futebol europeu). Nesse esquema, o gol é confiado à conclusão, possivelmente por um "poeta realista" como Riva, mas deve derivar de uma organização de jogo coletivo, fundado por uma série de passagens "geométricas", executadas segundo as regras do código (nisso Rivera é perfeito, apesar de Brera não gostar, porque se trata de uma perfeição meio estetizante, não-realista, como a dos meio-campistas ingleses ou alemães).
O futebol de poesia é o latino-americano. Esquema que, para ser realizado, demanda uma capacidade monstruosa de driblar (coisa que na Europa é esnobada em nome da "prosa coletiva"): nele, o gol pode ser inventado por qualquer um e de qualquer posição. Se o drible e o gol são o momento individualista-poético do futebol, o futebol brasileiro é, portanto, um futebol de poesia. Sem fazer distinção de valor, mas em sentido puramente técnico, no México [em 1970] a prosa estetizante italiana foi batida pela poesia brasileira."

Pier Paolo Pasolini (disponível apenas para assinantes da Folha e do UOL)

Lendo isso, até me dá vontade de voltar a acompanhar o futebol, mas aí eu me lembro do Dunga, um "idiota da objetividade", como diria Nelson Rodrigues sobre os burocratas da palavra.

2 de jul. de 2008

Mostra de vídeos sobre Direitos Humanos

O grupo de produção audiovisual Nós na Fita, assessorado pela Bem Tv, realiza um cineclube mensal, no Sesc Niterói. A próxima exibição será uma mostra de vídeos selecionados da Internet, com a temática Direitos Humanos, no dia 25/07, às 14h. Segue o convite pra quem quiser participar dessa "brincadeira".
Este ano, o grupo já exibiu os documentários "Meninas", de Sandra Werneck, "Pro dia nascer feliz", de João Jardim e "Ônibus 174", de José Padilha. Todas as sessões são seguidas de debates.




1 de jul. de 2008

Aprendendo a escrever


No terceiro período da faculdade de Jornalismo, deu-se a experiência que considero fundamental para a nossa formação e para a aproximação do grupo que mais tarde formaria este Caroço, em sua forma impressa, nos idos de 2000, no Iacs. Era a aula de oficina de textos, do professor Dênis de Moraes, na qual discutíamos literatura e éramos estimulados a escrever (dava frio na barriga) textos em vários formatos (contos, poesias, artigos jornalísticos, etc).

Mas, a melhor experiência era poder compartilhar o texto um do outro, por meio da leitura que o professor fazia daqueles que ele considerava os melhores. A Lili era a campeã em leitura, e ali soubemos que ela era poeta (uns já sabiam, mas eu descobri durante essas aulas). Assim como tivemos contato com o talento de vários amigos, inclusive do querido (e sumido) Leonardo Cosendey (Leo, se você estiver me lendo, entre em contato, volte a escrever conosco). Minha intuição é de que ali surgiu a primeira semente do nosso projeto, que se tornaria realidade dois períodos mais tarde.

Todo esse preâmbulo é para contar que o amigo Marcelo Moutinho, autor do indispensável Pentimento, vai ministrar uma oficina de contos na Estação das Letras, em aulas às quintas-feiras, das 19h30 às 21h30, a partir de agosto (mais informações aqui). Quando ele me contou do projeto, me lembrei imediatamente daquelas aulas e do quanto aquela convivência literária em sala de aula foi importante para nossas vidas.

Por falar nisso, aí vai um pedido: se alguém ainda tiver um daqueles textos, eu gostaria muito de relê-los aqui no blog.

Presença Felina

Epílogo:
"O gato é uma maquininha que a natureza inventou; tem pêlo, bigode, unhas e dentro tem um motor.
Mas um motor diferente desses que tem nos bonecos porque o motor do gato não é um motor elétrico.
É um motor afetivo que bate em seu coração por isso faz ronron para mostrar gratidão.
No passado se dizia que esse ronron tão doce era causa de alergia pra quem sofria de tosse.
Tudo bobagem, despeito, calúnias contra o bichinho: esse ronron em seu peito não é doença - é carinho." (Ferreira Gullar, de "Um gato chamado Gatinho")

Convivo com dois gatos há quase dois meses. Tenho uma certa resistência a bichos de uma forma geral, talvez por que queria me eximir da responsabilidade de cuidar deles. Principalmente, não estou preparada para amá-los. Reijeitar a idéia de gostar do gato é pedir para que o gato se apaixone completamente por você e passe a seguir seus passos e a demonstrar uma devoção incondicional. Estou, por mais absurdo que isso possa parecer, achando o gato igual ao cachorro. Daqueles bem grudentos, que adoram brincar. Ora, sempre me disseram que gato é blasé, que ignora solenemente quem os cria com tanto amor!
Os dois gatos vira-latas, Kiki, pretinha, e Moqueca, um siamês mestiço, foram adotados na veterinária da minha rua, e apareceram de repente. Nunca dei muita bola, mas os dias foram passando e eu comecei a criar um código de relacionamento com eles. Os bichanos fazem de tudo para chamar a minha atenção. Acabei não resistindo. Eles me fitam com os olhos, me pedem permissão para explorar o mundo novo que o quarto de portas fechadas o dia todo, e ficam imensamente felizes quando conseguem o que querem.
São bichos engraçados os gatos. Elegantes, demonstram maturidade e independência sempre que podem. Em outros momentos, são como bebês, fazem manha, pedem carinho, querem colo. Continuar este texto está difícil por que a gata não sai de cima de mim. Tem ciúmes da atenção que eu dou para a máquina. Como resistir ao charme de seus olhos amarelos?
O outro é mais distante. Mas adora estar perto, para se sentir protegido. Aperta os olhinhos e afunda a carinha no meu travesseiro, mesmo sem permissão.
No último fimde semana aproveitaram o convite e ficaram comigo na cama horas e horas. Como alguém pode se sentir só desta maneira?

Semente de conto - O CAPITAL

Onze da noite e ela ali, depois do turno de oito horas oficiais e duas extras. Úlcera dormindo tranqüila do lado esquerdo do estômago, biscoitos amanteigados, nona xícara de café do dia. Digita. Digita. Digita. Lá pela décima oitava página do relatório, sentiu a ponta dos dedos pesarem. Levantou, as costas doíam. Fez e refez os exercícios para a tendinite que o fisioterapeuta lhe ensinara. Pulso pra cima, pulso pra baixo. Pulso pra baixo, pulso pra cima. Digita. Digita. Digita. Sentiu os dedos ainda mais pesados, e quando arriscou uma tecla, as letras afundaram todas de uma vez. Quis esconder as mãos gigantescas atrás das costas, mas os dedos avançaram pelas pernas, desceram pelas coxas e tocaram o chão. Ainda assim, passou desapercebida entre os colegas hipnotizados pela tela do PC. Boa noite. Boa noite. Boa noite. Decidiu voltar caminhando para casa, uma bolsa de água quente certamente amenizaria o inchaço. Ou talvez devesse ir ao médico no final da semana, faltavam ainda muitas páginas do relatório para concluir. Atravessou a rua o mais rápido que pode, mas lhe faltaram as forças para carregar o mindinho. O dedo foi atropelado por um motoqueiro, que o confundiu com uma lombada. Se um cara manda no Brasil com nove dedos, pensou, eu posso muito bem bater um relatório sem um mindinho. Faltavam apenas duas ruas para chegar ao apartamento, onde ninguém lhe esperava, mas mal conseguia se locomover. Um vira-lata ladrou assustado com o polegar que destruía o asfalto por onde avançava. Logo vieram os outros cães que se fartaram com a carne exposta da palma das mãos. Caiu na esquina, entre latões de lixo e muros grafitados. Acordou rodeada por populares, que com facões e tesouras arrancavam o que faltava da mão, que crescera durante a madrugada e já ocupava todo o bairro. Dez mil novas barraquinhas de churrasco foram armadas em toda a cidade. Não sentia dor, apenas agonia por não ter acesso ao PC. Pediu uma caneta e um bloco de papel a um senhor que cortara a terceira falange do seu indicador. Arriscou um E, logo um P, e em menos de duas horas já aprendera a escrever o alfabeto todo com o pé direito. Trigésima terceira página do relatório, o dedão do pé começou a inchar. Escreve. Escreve. Escreve. O asfalto da rua logo cedeu, caíram os populares, as barraquinhas de churrasco, as casas, os prédios e as lápides.
Foto: Marcelo Valle