6 de nov. de 2008

História de uma cucaracha no exterior

Sentada num canto escuro, ela meditava sobre sua existência vazia. Já havia chegado à metade de sua vida e, até então, não havia feito nada de muito relevante. Não viajara, não inventara, não descobrira -- ocupava seu tempo na luta pela sobrevivência, a cada dia buscando o que comer. Lugar limitado esse, o mundo.

Tinha ouvido falar sobre o exterior, mas não sabia o que esperar dele. Diziam que era um lugar limpo, claro, arrumado -- muito diferente da podridão fétida e úmida em que vivia. Tinha sonhos de conhecê-lo, mas conforme o tempo passava, mais convencida ficava de que ele não passava de lenda: já havia andado tanto em sua busca por comida que achava impossível haver algum lugar que não conhecesse.

Pensando nisso, lembrou-se de que ainda não havia encontrado nada naquele dia. Começou a andar, percorrendo os caminhos imundos que normalmente trilhava. No entanto, absorta em seus pensamentos, não percebeu o enorme buraco que se abria no caminho e caiu por ele.

A queda foi curta, ela não se feriu. "Foi só um susto", como costumavam lhe dizer quando ainda era jovem. Pôs-se novamente sobre as pernas para sair do buraco e voltar ao caminho normal, mas desistiu quando percebeu que dele saía um túnel desconhecido. Olhou-o com atenção. Enfim uma novidade. Armada de coragem, começou a seguir pelo túnel, intrigada com a claridade difusa que se tornava mais forte conforme se aproximava.

Enfim, chegou ao fim do túnel, que terminava numa pequena abertura. Pondo a cabeça para fora, viu um lugar amplo, iluminado, limpo -- e lembrou-se de imediato das lendas sobre o exterior. Só podia ser ali! Entusiasmada, passou pela abertura e começou a passear pelo local, os olhos marejados com tanta beleza e luminosidade. Finalmente! Depois de tanta angústia na escuridão, de tanto sofrimento na sujeira, o destino lhe dava a oportunidade de conhecer aquele paraíso imaculado.

Estava feliz. Sentia-se como se tivesse a vida inteira se preparado para aquele momento. E foi então, no auge de sua absoluta alegria, que ela foi esmagada por uma força além da sua compreensão, tão forte que partiu seu corpo ao meio. Tudo escurecia depressa, não havia mais o que fazer; ela apenas permanecia caída, as pernas para cima, contemplando suas vísceras à mostra. As últimas palavras que ouviu foram "Amor, vem ver a barata que matei no banheiro".

3 comentários:

A digestora metanóica disse...

Jeito marcante de escrever. rs
Adorei, como sempre!
Beijos

Gugu disse...

Muito bom, Léo.

l.c grazinoli disse...

Leo,

Tinha passado batido por esse aqui.
Muito bom. Gosto muito da sua narrativa, apesar da ficçao tem uma dinamica mais real.

Cara da uma olha nesse que eu escrevi, nao sei tu vai gostar , é pobre mas é limpinho.

http://www.fotolog.com/lcgrazinoli/61480538