10 de out. de 2008

La misionera




Esta semana tive o imenso prazer de ter alguns (pouquíssimos) minutos de conversa com a cantora Mercedes Sosa, uma das mais importantes divas da América Latina. Que figura doce, cheia de amor para dar ao mundo, nos olhos uma sabedoria profunda da realidade que a contorna. Jamais esquecerei o abraço que ela me deu, seu cheirinho de avó com talco. Público abaixo matéria publicada ontem no Jornal do Brasil, para o qual trabalho. A matéria foi escrita com a ajuda precisa de amigos deste blog, com destaque para informações de Pedro Paulo Malta.


Ícone da canção de protesto, Mercedes Sosa recebe Ordem do Mérito Cultural e defende com veemência líderes controversos como o boliviano Evo Morales


Monique Cardoso


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez lobby para sua condecoração e até escolheu pessoalmente o repertório que a diva argentina Mercedes Sosa cantaria, anteontem à noite, na cerimônia de entrega da Ordem do Mérito Cultural, na qual foi uma das homenageadas. Mas não a viu cantar. Por razões meteorológicas, seu avião não pôde decolar e o presidente não compareceu à festa. Em entrevista ao Jornal do Brasil antes da cerimônia, que durou cerca de três horas no Teatro Municipal, Mercedes rasgou elogios ao líder petista, a quem conheceu durante a reunião de Cúpula do Mercosul em Tucumán, norte da Argentina, sua terra natal e de onde tirou inspiração para suas mais importantes canções. Apesar da saúde frágil, que faz com que se apresente sentada, a cantora, 73 anos, cumpre este mês longa agenda em países da Europa e em Israel. Em novembro, volta ao Brasil para show no dia 28 de novembro, no Vivo Rio.


– É um orgulho muito grande receber esse prêmio do Brasil. – exalta Mercedes, confirmando a escolha do repertório pelo fã ilustre: – Ele pediu para eu cantar Gracias a la vida e Misionera.


Elo forte do país, desde os anos 60, com a cultura dos povos indígenas e o folk argentino, aspectos culturais de sua sagrada Tucumán, Mercedes Sosa continua a levar ao palco, mescladas a músicas de amor, letras que falam das mazelas da América Latina. Resquícios do movimento Nueva Canción, cujas músicas de protesto influenciaram a MPB nos anos 70, principalmente nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, entre outros.


– Minha vida é sacrificada. Continuo viajando com freqüência, mas as pessoas querem me ouvir. O que eu sofro não é nada. Este continente é enorme, muita coisa mudou desde as ditaduras, mas onde quer que eu vá sempre vai haver aquela gente pobre, humilde, que não tem o que dar de comer aos filhos, que não tem onde tomar um banho ou fazer sua higiene, que não tem trabalho. Então eu não posso abandonar esta temática. Esta é a realidade.


Vítima da repressão durante a ditadura argentina, La Negra, como é chamada carinhosamente por causa do tom dos cabelos, tornou-se respeitada ativista de esquerda. Hoje não pode mais liderar panelaços e protestar com as Mães da Praça de Mayo. Por isso, não dispensa o noticiário.


– Acompanho tudo o que posso pela TV. Sei exatamente o que está se passando no Brasil, no Chile, no Uruguai. De todos os países, o Brasil sem dúvida é o que conseguiu estabelecer uma democracia mais forte nos últimos 20 anos e não pode deixar que crises econômicas a enfraqueça – aconselha.


Mais recentemente, seu discurso político voltou com toda a força para apoiar a presidente Cristina Kirchner. A cantora também defende as posturas adotadas pelos presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Evo Morales, da Bolívia. – Defendo a Cristina, Michele Bachelet (presidente do Chile) e demonstrei meu apoio quando Chávez ofereceu enviar tropas para a Bolívia – conta. – É um absurdo tentarem boicotar o Evo, esse homem não merece o que estão fazendo com ele, que foi eleito democraticamente. É um menino muito bom. Em Tucumán estava lá, com toda a simplicidade, jogando bola com as crianças.


A cantora lançou seu último disco, Corazón libre, há três anos. Se, nas décadas de 70 e 80, estabeleceu parcerias com Milton Nascimento, Fagner e gravou diversos compositores brasileiros, como Chico e Caetano, hoje conta com o acordeonista gaúcho Luiz Carlos Borges (autor de Misionera), que a acompanha em turnês pela Europa. – Amo tudo o que vem do Brasil. Continuo cantando Coração vagabundo, de Caetano Veloso em meus shows, mas num portunhol que nunca termino de aprender.

3 comentários:

A digestora metanóica disse...

Há muito tempo que a música dela e a de Silvio Rodrigues tem um papel fundamental na minha vida.

"que la reseca muerte no me encuentre
vacía y sola sin haber hecho lo suficiente"

Parabéns pela entrevista, Nique.

Pedro Paulo Malta disse...

Nique,

Sua matéria ficou o fino!

Pena não ter tido mais espaço (e tempo com a entrevistada!), pois teria rendido um material e tanto.

A participação dela no Chico & Caetano (cantando e dançando com um "pañuelo") é uma imagem inesquecível da minha infância.

Que bom que pude te ajudar!

Beijo grande,
PP

Olívia Bandeira de Melo disse...

Nique, você tem informações sobre o show? Preço dos ingressos, como e quando serão vendidos?