25 de out. de 2008

Lembranças de Glauber

Em 2001, quando comecei a pesquisar sobre a trajetória de Glauber Rocha como jornalista na Bahia, nos anos 50 e início dos 60, procurei o Tempo Glauber. Já tinha ido à Biblioteca Nacional e aos arquivos da Cinemateca do MAM, mas, nesses lugares, não achei os textos raros do cineasta, dos quais sabia da existência por meio da biografia escrita pelo jornalista João Carlos Teixeira Gomes. No templo, que já tinha visitado para entrevistar Lúcia Rocha (para o Caroço!!!), estava quase indo embora, certa de que não teria acesso a nada, quando a mãe de Glauber, de repente, me deu um voto de confiança - não sem antes perguntar se eu não tinha "interesses comerciais" na obra dele. Não, eu só queria fazer uma monografia bem feita para a faculdade.

Na verdade, ela passou a confiar em mim depois que eu citei vários textos de Glauber que tinha encontrado na Biblioteca Nacional, mostrando que havia copiado tudo à mão e que seria um trabalho descomunal continuar utilizando esse método braçal de pesquisa. Também contei a ela que tinha uma cópia de um livro raríssimo de Glauber, que nem mesmo ela tinha mais, dado que não era editado há anos e anos. (A minha cópia era da biblioteca da UFF e ela me agradeceu muito quando levei uma para ela. Hoje, o livro "Revisão crítica do cinema brasileiro" já tem uma edição digna de sua importância)

Aí, Lúcia Rocha me levou numa espécie de subsolo do casarão, abriu uma porta e, em seguida, vários armários. "Está tudo aí", me disse com o olhar ainda desconfiado. O "tudo" eram os textos que Glauber tinha escrito na imprensa baiana, inclusive em jornais alternativos da capital, incluindo aquele que ela considera seu segundo texto, publicado quando ele ainda era um menino de calças curtas - mas com idéias já em ebulição.

Abri os armários e o que encontrei foi um arquivo minuciosamente organizado ("eu trabalhei como arquivista no MIS"), com o carinho da mãe que catava desenhos e manuscritos no lixo, antevendo a importância de guardar a memória daquele que se tornaria um dos mais influentes cineastas do país nos anos seguintes. Fiquei horas lá (naquele tempo, tinha saído do estágio e me dedicava à pesquisa, tempo bom), impressionada e até com um tico de medo de não dar conta de ler tudo. Mas, tia Lúcia foi generosa: me confiou os textos originais e me indicou uma papelaria na Voluntários da Pátria que tirava cópias. Atravessei a Sorocaba com o tesouro nas mãos, morrendo de medo de, sei lá, bater um vento e ver ir embora pelo ar.

Voltei no Tempo Glauber muitas outras vezes. Numa delas, tia Lúcia me vendeu um exemplar do livro "Riverão Sussuarana" com dedicatória do próprio Glauber para ela. Liguei para dizer do engano e ela respondeu: "Está em boas mãos".

Naquela época, o casarão vivia a duras penas, apenas com a força da mãe, já octogenária, que administrava tudo a mão de ferro. Mas, desde então, livros e filmes de Glauber foram reeditados. O acervo do cineasta, digitalizado. O Tempo Glauber tem pesquisadores, cursos, produtos à venda. Não vou lá há muito tempo, não sei se as dificuldades financeiras se mantêm. Mas, uma boa notícia chegou essa semana: o site está atualizadíssimo, com fotos, documentos históricos e vídeos (tem trechos do famoso programa "Abertura").

É uma felicidade testemunhar esse avanço. Fica a dica para uma visita.

P.S.: Outro dia, estava na portaria do meu prédio e vejo sair uma moça com o rosto muito conhecido. Olhei tanto que ela deve até ter se assustado. Quando passou, fui até o porteiro e perguntei: "Essa moça que saiu agora mora aqui no prédio"? "Mora", confirmou. "O nome dela, por acaso, é Paloma?". "É, sim". Nesse dia, descobri que era vizinha da filha de Glauber, Paloma Rocha. E saí cantarolando: "Se entrega Corisco, eu não me entrego não!"

3 comentários:

Olívia Bandeira de Melo disse...

Oi, Clau, belo tempo mesmo esse em que fazíamos pesquisa e encontrávamos pessoas tão maravilhosas como a D. Lúcia. Que bom que o site está atualizado. O cineclube que o Templo Glauber faz também pode render um bom post. Por que você não vai lá matar a saudade?
Beijos!

Andressa Camargo disse...

A entrevista com a "tia" Lúcia foi feita em parceira com uma outra repórter-caroço! Sabem quem? Euuuuuu!
Lindo depoimento, Clau!

Andressa Camargo disse...

A entrevista com a "tia" Lúcia foi feita em parceira com uma outra repórter-caroço! Sabem quem? Euuuuuu!
Lindo depoimento, Clau!