29 de out. de 2008

A teus pés

Ontem já havia me lembrado dela, sem nem desconfiar que hoje é aniversário de sua morte. (Não consigo guardar datas.) Lembrei-me quando, num pequeno intervalo de 30 minutos, no meio da tarde e não sem motivo, fui tomada por sentimentos diferentes e contraditórios, de uma intensidade tão grande que precisei anotá-los no caderninho azul:

Hoje de manhã, no jornal fechado desde a véspera, me deparei com ela, em foto em que aparece, como tantas vezes, de óculos escuros. A reportagem (revista "Megazine", O Globo, 28/10/2008) convidava para o lançamento do livro Antigos e soltos (Instituto Moreira Salles), reunindo poemas, fragmentos de diário, anotações, relatos de viagens, bilhetes e cartas inéditos. Gêneros que Ana Cristina César, uma das poetas da chamada "geração mimeógrafo" dos anos 70, brincou, com beleza e sensibilidade, de misturar. Podem ser encontrados também em livros como A teus pés, Luvas de pelica, Cenas de abril, Correspondência completa, Inéditos e dispersos, Escritos no Rio (este de artigos, textos acadêmicos e depoimentos).

A matéria da Megazine dizia que Ana C. continua por aí, influenciando novos poetas.

Vacilo da vocação

Precisaria trabalhar - afundar -
- como você - saudades loucas -
nesta arte - ininterrupta -
de pintar -

A poesia não - telegráfica - ocasional -
me deixa sola - solta -
à mercê do impossível -
- do real.


Sexta-feira da paixão

Alguns estão dormindo de tarde,
outros subiram para Petrópolis como meninos tristes.
Vou bater à porta do meu amigo,
que tem uma pequena mulher que sorri muito e fala
pouco, como uma japonesa.
Chego meio prosa, sombras no rosto.
Não tenho muitas palavras como pensei.
"Coisa ínfima, quero ficar perto de ti".
Te levo para a avenida Atlântica beber de tarde
e digo: está lindo, mas não sei ser engraçada.
"A crueldade é seu dilema..."
O meu embaraço te deseja, quem não vê?
Consolatriz cheia de vontades.
Caixa de areia com estrelas de papel.
Balanço, muito devagar.
Olhos desencontrados: e se eu te disser, te adoro,
e te raptar não sei como dessa aflição de março,
bem que aproveitando maus bocados para sair do
esconderijo num relance?
Conheces a cabra-cega dos corações miseráveis?
Beware: esta compaixão é
é paixão.

3 comentários:

Anônimo disse...

lindo

Gardênia Vargas disse...

Muito Lindo Lili, me emocionou...

Cláudia Lamego disse...

Lili, bateu uma saudade de você, de nós, de outros tempos... Mas, daquelas saudades gostosas, porque sabemos que continuamos juntos. Ana Cristina sempre me lembra você.