16 de ago. de 2008

De novo, João Gilberto

Certa vez, um amigo dos tempos de Lance! resmungou comigo: “Não entendo esses fãs de bossa nova. Com um Pelé e um Garrincha do nível de Tom e Vinicius, ficam louvando o João Gilberto.” E me entregou o caderno especial do JB (em homenagem aos 70 anos de JG, em 2001) que tinha guardado pra mim.

João é mesmo difícil de entender. Não tem voz exuberante, veste terno marrom, é careteiro, protagoniza histórias bizarras, volta e meia falta aos shows, reclama do som, reclama do público e não “criou” a bossa nova.

Até porque, convenhamos, gênero musical não se “cria”. Não tem data e local de nascimento, como às vezes tentam nos ensinar historiadores, escritores e jornalistas. “O samba nasceu em 1917, quando Donga blá blá blá...”, “Forró vem de for all, blá blá blá...”, “No fim dos anos 50, os jovens começaram a cantar baixinho para não incomodar os vizinhos, blá blá blá...” Tudo cascata da grossa, pra facilitar a prosa, repetida em filmes, biografias e matérias.

A “voz pequena” existe desde que inventaram o microfone. Antes mesmo de Mario Reis, tantos outros cantores aproveitaram o novo recurso para trocar as notas de peito pela possibilidade de cantar com nuances. Só para ficar nos “professores” de Chet Baker, os EUA já aplaudiam o canto coloquial de Matt Dennis e Jack Smith, este último conhecido como The Whispering Baritone (o Barítono Sussurrante). Ou seja, nada de cantar baixinho por causa de vizinho.

A “batida diferente” também não nasceu com o violão de João. Esteve nas teclas de “pianeiros” como Sinhô e Romualdo Peixoto (Nonô). Ou em violões como os de Laurindo de Almeida e Garoto, que, como o pianista Johnny Alf, já faziam também harmonias “diferentes” antes da bossa nova.

Mas foi João quem juntou tudo. A voz colocada por opção (e não por limitação vocal, como se diz), a divisão à Cyro Monteiro, o violão-tamborim, as harmonias novas. Tudo a serviço de um repertório espetacular: fosse nas composições de Tom e Vinicius, fosse nos boogie-sambas de Janet de Almeida, Haroldo Barbosa e Dênis Brean, fosse na bossa-velha dos geniais Wilson Batista e Geraldo Pereira (os quais ele conheceu na noite do Rio, bem antes de Chega de saudade).

Foi pelas gravações de João, aliás, que ouvi pela primeira vez alguns dos meus compositores preferidos, como Caymmi, Ary, Bide e Marçal – além de todos os citados no parágrafo aí de cima. Ou seja: no meu HD, são dele os primeiros registros de Falsa baiana, Morena boca de ouro ou Rosa morena.

Por essas e outras, não titubeei quando uma repórter me perguntou, já de manhã, por que eu estava naquela fila abissal desde a madruga: “É o maior cantor de samba vivo.” Está certo que ainda estão por aí Paulinho da Viola, Monarco, Roberto Silva e Dorival Caymmi (outros dos meus 10+), mas esses eu já tive a honra de aplaudir.

Pois é por isso que no próximo dia 24 tratarei de vestir boa roupa, apurar os ouvidos e me cercar das melhores companhias para ir feliz da vida ao Theatro Municipal.

Só espero que João também vá.

Um comentário:

Cláudia Lamego disse...

Agora, não temos mais o Caymmi, que tanto embalou nosso amor.

Viva o maior!

"Um bom lugar pra se encontrar/Copacabana..."