3 de jul. de 2008

Sobre futebol (aproveitando o jogo de ontem...)

Não gosto muito de postar citações mas esta vale a pena, retirada de uma antiga edição do "Mais!" da Folha de S. Paulo (o autor vai depois do texto, porque é surpreendente):

"Assim, justamente por razões de cultura e de história, o futebol de alguns povos é fundamentalmente de prosa, seja ela realista ou estetizante (este último é o caso da Itália); ao passo que o futebol de outros povos é fundamentalmente de poesia.
Há no futebol momentos que são exclusivamente poéticos: trata-se dos momentos de gol. Cada gol é sempre uma invenção, uma subversão do código: cada gol é fatalidade, fulguração, espanto, irreversibilidade. Precisamente como a palavra poética (...) O drible é também essencialmente poético (embora nem sempre, como a ação do gol). De fato, o sonho de todo jogador (compartilhado por cada espectador) é partir da metade do campo, driblar os adversários e marcar. Se, dentro dos limites permitidos, é possível imaginar algo sublime no futebol, trata-se disso (...)
Quem são os melhores dribladores do mundo e os melhores fazedores de gols? Os brasileiros. Portanto o futebol deles é um futebol de poesia - e, de fato, está todo centrado no drible e no gol.
A retranca e a triangulação é futebol de prosa: baseia-se na sintaxe, isto é, no jogo coletivo e organizado, na execução racional do código. O seu único momento poético é o contrapé seguido do gol (que, como vimos, é necessariamente poético). Em suma, o momento poético do futebol parece ser (como sempre) o momento individualista (drible e gol; ou passe inspirado).
O futebol de prosa é o do chamado sistema (o futebol europeu). Nesse esquema, o gol é confiado à conclusão, possivelmente por um "poeta realista" como Riva, mas deve derivar de uma organização de jogo coletivo, fundado por uma série de passagens "geométricas", executadas segundo as regras do código (nisso Rivera é perfeito, apesar de Brera não gostar, porque se trata de uma perfeição meio estetizante, não-realista, como a dos meio-campistas ingleses ou alemães).
O futebol de poesia é o latino-americano. Esquema que, para ser realizado, demanda uma capacidade monstruosa de driblar (coisa que na Europa é esnobada em nome da "prosa coletiva"): nele, o gol pode ser inventado por qualquer um e de qualquer posição. Se o drible e o gol são o momento individualista-poético do futebol, o futebol brasileiro é, portanto, um futebol de poesia. Sem fazer distinção de valor, mas em sentido puramente técnico, no México [em 1970] a prosa estetizante italiana foi batida pela poesia brasileira."

Pier Paolo Pasolini (disponível apenas para assinantes da Folha e do UOL)

Lendo isso, até me dá vontade de voltar a acompanhar o futebol, mas aí eu me lembro do Dunga, um "idiota da objetividade", como diria Nelson Rodrigues sobre os burocratas da palavra.

Um comentário:

Olívia Bandeira de Melo disse...

Acho que a notícia mais poética do momento em relação ao futebol é a eleição do Roberto Dinamite, com seus cabelos brancos, para a presidência do Vasco.
Torço para que a mãe e a Clau tenham alegria, enfim, com a cruz de malta.