Foto: Marcelo Valle
Na verdade o título deveria ser “A falta de televisão e o falso conceito de primeiro mundo”.
Nao sei se ainda nas escolas ensinam a alguma crianca essa cruel divisão do planeta ou se apenas ensinam o não menos falso conceito de países desenvolvidos versus países em desenvolvimento.
Qualquer pessoa numa grande cidade de um país “em desenvolvimento” - incluindo até a menos abastada - tem um aparelho de televisão. Em economias “desenvolvidas” não é bem assim, pelo menos não na Inglaterra. E relato aqui minha experiencia de “excluída televisiva”. Somo dois anos (com um pequeno intervalo de 3 meses nesse período) desprovida do aparelho. E posso garantir que não estou sozinha.
Os motivos:
O primeiro é a condição nomade de grande parte dos habitantes (quando se é estrangeiro num país tenta-se acumular o menor número possivel de bens de consumo, uma vez que nunca se sabe a data da volta e revender objetos usados não é algo muito vantajoso). Inclusive alguns websites tem páginas dedicadas aos “freebies”, que consiste em doar objetos inutilizados/indesejados.
O segundo motivo é a licensa anual. Qualquer pessoa portadora de um aparelho de tv no Reino Unido tem que pagar anualmente 139.50 libras ou algo em torno de 450 reais. Se a tv for PB (??) o valor cai para algo em torno de 150 reais. O terceiro motivo atribuiria a falta de interesse. Afinal de contas, mesmo com as duas razões citadas, quem quer mesmo assistir TV, pode buscar uma grátis ou burlar a lei (a verdade é que muitos fazem isso).
Nos primeiros meses sofri com a abstinencia, mas hoje posso dizer que sou uma sobrevivente – raramente lembro que não assisto televisão e só me dou conta disso quando alguém fala do “programa da noite passada”. Fora a exclusão social – obviamente fico fora do assunto quando o papo é “voce viu o que fulaninho falou no Big Brother ontem?” - recentemente me dei conta de um sintoma muito mais grave: a indeferença que tenho apresentado em relação as misérias humanas. Sim, porque só a TV pode produzir um indivídui provido de compaixão numa cidade “desenvolvida‘. Um ser humano, quando nao submetido visualmente as maselas do mundo, perde a ternura, a piedade, esfria o coração. Tentem fazer o teste. Desliguem suas tvs, fiquem alguns meses sem deparar com meninos de rua, não leiam O Globo e vejam como seus corações reagirão.
A TV aquece os corações. E a minha redenção chega em 15 dias.
3 comentários:
Eu, em geral, consigo ficar sem ver TV. Mas depois que a gente liga... o negócio vicia. Dizem que essa fórmula aí da Inglaterra permite que as pessoas fiscalizem melhor a programação. Discutiu-se muito isso aqui na época da criação da TV Brasil, a TV pública que juntou algumas TVEs estaduais e está tentando unificar a programação nacional.
Você tem razão. Esses dias, quando eles começam a mostrar o drama do terremoto na China eu mudo de canal. A TV reflete e amplifica nossas mazelas. Mas quem consegue viver sem?
Fiquei cinco anos sem TV em casa. Aliás, tinha o aparelho mas não tinha antena. No entanto, as pessoas que só conseguem ver o mundo de forma binária, quando me viam na sala de alguém com TV, sentada no sofá sem desgrudar os olhos da novela (meu programa preferido na Tv aberta), questionavam minha "hipocrisia" e "contradição".
Eu era então obrigada a explicar que não havia contradição. Eu gosto de novela, não acho que a TV seja o ópio do povo, acredito que as pessoas assistem a partir do seu próprio repertório cultural, etc. Não tinha TV por preguiça (a antena do prédio era disputada), sem ela tinha mais tempo para ler ou, quem sabe, era uma charme dizer que pertencia aos 2% da população brasileira sem esta mídia!
Hoje, em casa nova, tenho TV e acompanho a vida na Portelinha. No entanto, nesse país "em desenvolvimento", não preciso das imagens do Jornal Nacional para ver as misérias do mundo. Elas estão na internet, nas bancas de jornais, nas novelas, nas ruas, praças e becos.
Mas nunca estive num país "desenvolvido". Disney - sim, amigos, estive na Disney - não conta.
Acho muito justo o sistema britânico de pagar para ver televisão. Não sei se isso reduz o condicionamento da programação da mesma aos deasmandos da publicidade. Mas não devemos esquecer que a ilha tem a BBC, que produz e difunde muuuitos programas de excelente nível, tem uma produção de conteúdo absuuurda.
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