10 de mai. de 2008

Descoberta da latinidade

Fiz, há uns dois anos atrás, mais ou menos, para o Caderno B, do Jornal do Brasil, para o qual escrevo, uma matéria discutindo e constatando, de acordo com a opinião de estudiosos de várias áreas, que o Brasil está de costas para a América Latina. A reportagem foi motivada pela abertura de uma grande exposição de arte latinoamericana no CCBB, eu acho. Brasileiro, de uma forma geral, não se sente muito latino. Não se identifica com seus vizinhos, fala uma língua diferente, tem muito mais terra e por mais irônico que isso pareça, mais poder econômico. É até relativamente considerado menos subdesenvolvido.

Esse nariz de cera todo é para contar que ontem (não riam!), sexta-feira, fui ao show da banda jovem mexicana RBD, formado pelos protagonistas da extinta novelinha Rebelde. A missão era levar três primos pré-adolescentes para uma noite de catarse coletiva juvenil. O RBD já lotou o Maracanã, mas desta vez reuniu platéia menor, lotando apenas o Rio Arena (aquela multiuso do Pan, que tem um banco privado como patrocinador) , coisa de 15 mil pessoas. A tal novelinha já acabou há uns dois anos, mas a banda mantém a febre em seus fãs, em muitos países. A longa espera na platéia até o show começar, a euforia, as faixinhas na cabeça, as bandeiras e o choro histérico de meninas e meninos nascidos depois dos anos lembrou o fenômeno Menudo.

O que mais impressionou, entretanto, foi o espanhol perfeito do coro, que cantou todas as letras, por duas horas. O ensino do idioma não é obrigatório nas escolas brasileiras e nem é a preferência da garotada e dos pais, que os matriculam invariavelmente em aulas de inglês. A língua também não é predominante nas séries de televisão e nos filmes a que os jovens assistem (cinema argentino, colombiano ou espanhol é coisa de adulto zona sul, vamos combinar), nem nos clipes da MTV e do VH1. O fenômeno da gravatinha vermelha no pescoço, porém, por maior pobreza cultural que a novela e as letras das músicas da banda apresentem, fez com que uma legião de adolescentes se interessassem pela língua de nossos vizinhos. Os seis integrantes da banda até tentavam arranhar um português com sotaque e os fãs davam gritinhos. Mas todos, incluindo meus três acompanhantes, ouviam e compreendiam perfeitamente tudo o que eles diziam em seu idioma original.

O fenômeno RBD fez com que minha prima de 14 anos, moradora da Baixada Fluminense, começasse a estudar espanhol, apenas com a ajuda de um dicionário. Este ano ela mudou de colégio e a preferência foi por uma escola que, além de inglês, tivesse aulas regulares de... espanhol. Muitos de seus amigos e colegas fizeram o mesmo. O incipiente aprendizado deste idioma amplia seu interesse pelo que se passa nos países vizinhos. Em uma recente viagem que fiz à Argentina, todos os emails trocados com a família para dar noticias da viagem eram intermediados por ela e escritos e respondidos em espanhol. Pra treinar e entrar no clima, ela recomendou. Será que RBD é mesmo uma cultura tão inútil assim? Tenho minhas dúvidas sobre alguns aspectos.

8 comentários:

Marcelo Valle disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcelo Valle disse...
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Marcelo Valle disse...

Deixe ela aprender mais um pouquinho com os Rebeldes, aí você poderá apresentar coisas como Dom Quixote,Garcia Lorca, uns filminhos do Almodovar...e quem sabe um Rebelde de verdade como Jose Martí ou aquele argentino de Rosário que usava boina e morreu na Bolívia...Coitado tão explorado hoje pela indústria cultural!!!

Deia Vazquez disse...

Sera que o tal RDB aproxima mesmo o Brasil do resto da America Latina?

Cláudia Lamego disse...

Nique, muito interessante essa possibilidade. Eu me identifico com essas histórias, pois era uma menina suburbana que gritava pelo Menudo. Infelizmente, não aprendi espanhol. Mas, por outros motivos, me tornei uma adulta que passou a ler, estudar, ver filme iraniano (agora a moda são os argentinos) e a ouvir a chamada "boa música". Não acredito que o fenômeno nos aproxime da América Latina, assim em geral, mas em particular já afetou positivamente a sua prima. Isso é ótimo. É assim que se começa. Eu comecei a ler por meio dos livros do Paulo Coelho, mas não contem pra ninguém porque nego, até no terreno baldio, tendo a cabra vadia como testemunha.

Monique Cardoso disse...

Acho que o RBD fez um monte de gente saber algumas coisas sobre o México além do que informa a escola. A geração internet fuça tudo. O interesse pela língua é um fato, eu falei com alguns garotos e garotas que estavam em volta da gente no show. Como a Claudia disse, não acho que seja uma influência cultural generalizada ou muito grande. Mas o mundo hoje é da segmentação, dos interesses específicos aliados aos interesses comuns das gerações. Quando digo que o fenômeno musical-televisivo aproxima em alguma medida os jovens da América Latina, quis dizer que em vez de só gostarem das coisas faladas em inglês, originárias geralmente dos EUA, também se interessam pelo mundo que fala espanhol. Da mesma forma que o sonho de milhões de jovens não é mais viajar pra Disney, mas para O Reino Unido a fim de conhecer os reais e medievais cenários de Harry Potter: Londres, Escócia, etc. Aliás, a série do bruxinho, não só em livro mas na franquia cinematográfica enlatada, fez muitos alienadinhos saberem onde a Bulgária está no mapa só por que há uma escola de bruxaria tradicional lá. Então, de certa maneira, há quem rompa a barreira consiga aprender coisas úteis e realmente interessantes com fenômenos de massa muitas vezes emburrecedores.,

Olívia Bandeira de Melo disse...

Monique, achei ótima a discussão que você levantou. Só acho que os argumentos andam meio confusos. Ao mesmo tempo que a gente admite que esses fenômenos de massa aproximam jovens da AL, despertam o interesse por outros lugares e outras línguas, estimulam a descoberta de novas músicas, livros, etc., continuamos falando que eles são "emburrecedores", que se opõem à alta cultura ou à "boa música".
Não estou aqui querendo defender a qualidade artística dos rebeldes, aliás, nem os conheço, mas questiono se a maior qualidade deles seria abrir portas para o consumo da "boa e alta cultura" ou se não seria correto dizer abrir portas para o consumo de diversos tipos de cultura.
As pessoas precisam mesmo migrar de um tipo de cultura - tido como medíocre - para outro - tido como Cultura com C maiúsculo? Não podem consumir o cinema iraniano e ler Paulo Coelho? Precisam esperar que os produtos sejam legitimados - como a chanchada, o Chaves, o samba, o hip hop, o funk - para depois consumi-los sem culpa?

Cláudia Lamego disse...

Lili, o problema é você continuar lendo Paulo Coelho tendo descoberto Graciliano Ramos, Dom Quixote, Murilo Mendes... É difícil, né não?
Eu já tive disco do Araketu, mas agora prefiro passar o tempo ouvindo Caymmi. Acho que é essa a diferença. O tempo é tão escasso.