15 de mai. de 2008

Reflexões sobre a Política Habitacional Brasileira: A eterna espera pela casa própria (Parte I)

Foto: Marcelo Valle

Há sete anos, respiro imóveis. Desde muito antes da mídia resolver dar bola para a bolha estadunidense, minha condição de repórter "setorista" (sempre simpatizei com essa expressão, que funciona quase como um selo de status dentro da redação), já me obrigava a viver debruçada sobre as análises dos malditos empréstimos subprime, cálculos de hipoteca e tabela price. Assim que, quando a bolha estourou lá em cima e o Lula anunciou as boas novas de uma política habitacional voltada para o povão, com prazos de financiamento de três décadas, quase nada me surpreendeu . Passado o alvoroço inicial, do anúncio de catástrofes econômicas desencadeadas pela bolha e a esperança do fim instantâneo do déficit habitacional, vieram as constatações de que nenhuma das previsões se concretizaria nem tão rápido nem de forma tão fácil quanto previsto. A partir deste post, recorro à vantagem de ter um olhar um pouco mais acostumado com o meio imobiliário que a maioria da população, para publicar, na íntegra, algumas reportagens sobre a atual política habitacional brasileira, veiculadas no Jornal do Brasil durante a minha estadia na casa como "setorista". Foto: Marcelo Valle

A eterna espera pela casa própria (ou O caminho da gestão popular)




Os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) destinados às obras de urbanização de favelas e construção de casas populares correm o risco de não sair do caixa. Mesmo com R$ 104 bilhões garantidos para investimentos em habitação social até 2010, governadores e prefeitos podem perder a verba por que desconhecem o tamanho do déficit de moradias e ainda não desenvolveram projetos para solucionar o problema.

Na tentativa de incentivar a execução de projetos em tempo hábil, a Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades está promovendo seminários regionais para auxiliar governos e comunidades locais a colocar no papel suas demandas. Mas, de acordo com agentes que participam do debate, o curto espaço de tempo para análise do tema e o excesso de burocracia devem inviabilizar a aplicação dos recursos pelos próximos três anos, no mínimo.

- Esperamos esse dinheiro por 13 anos e agora que ele chegou não temos projeto - diz a representante da União Nacional por Moradia Popular (UNMP), Evaniza Rodrigues. - Estamos trabalhando juntos com o Ministério para entender a dimensão do problema, mas ainda não temos a real noção de prazos e metas para a política habitacional.

Evaniza Rodrigues revela que o último levantamento oficial do déficit data de 2001, quando o governo avaliou que seriam necessários pelo menos R$ 90 bilhões para suprir a falta de 6,5 milhões de moradias. De lá para cá, o Brasil ganhou 500 mil novos sem-teto e, segundo ela, a burocracia para utilização de recursos públicos para obras populares só aumentou.

- Até chegar a quem precisa, o dinheiro passa por um longo caminho burocrático, que envolve as prefeituras e a Caixa Econômica e isso trava a máquina - diz a representante da UNMP. - O ideal seria descentralizar a administração desses recursos e deixar sob a responsabilidade das comunidades locais a gestão dos investimentos.

Entregar às comunidades a gestão dos recursos para construção de moradias pode parecer uma idéia arriscada, a partir da lógica liberal do mercado. Mas, desde 2005, o modelo trouxe bons resultados na maioria das regiões onde foi implantado. Após seguidas ações de ocupação de terra por integrantes do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLP), governadores e prefeitos de Norte a Sul do país se renderam à auto-gestão.

O trabalho é semelhante ao de uma cooperativa. Em lugar de centralizar a construção dos conjuntos habitacionais, Estado e municípios se encarregam apenas de prover, com os recursos da União, infra-estrutura local (energia elétrica, asfalto, rede de água e esgoto). O governo municipal auxilia ainda na contratação de mão-de-obra (a maioria os próprios sem-teto) e gerenciamento técnico do projeto. O MNLM, por sua vez, seleciona e credencia os futuros moradores e organiza o mutirão para erguer as casas.

O vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins. defende a ampliação de mecanismos que permitam o acesso à casa própria à população de baixa renda.

- Hoje sentimos boa-vontade do governo em solucionar a crise habitacional, mas enquanto a Caixa Econômica for o único agente financeiro autorizado a operar com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), vai ser difícil pensar em ampliar o crédito para quem mais precisa-diz.

José Carlos Martins destaca que, além do desafio de descentralizar os recursos do FGTS destinados à aquisição da casa própria, o setor sofre ainda com uma elevada carga tributária, que representa 40% do custo final de uma casa popular.

- O governo precisa desonerar a habitação de interesse social para atrair mais investidores e reduzir o déficit de moradias no país. Só liberar verba, não adianta - conclui.

2 comentários:

Olívia Bandeira de Melo disse...

Lu, você poderia contar alguma dessas histórias de autogestão para a construção das habitações populares?
Uma coisa que me incomoda muito no Pac é você construir conjuntos habitacionais no lugar de casas já existentes, muitas vezes casas de famílias que estão naquele lugar há décadas, e que construiram e ampliaram suas casas, e colocar no lugar conjuntos habitacionais projetados sem o devido diálogo com essas comunidades. O que você acha disso?

Luciana Gondim disse...

Lili,

Conheço vários projetos em Minas, em SP e em algumas comunidades da Zona Oeste do Rio - Sepetiba e Campo Grande, por exemplo. Vou ver se consigo os telefones dos agentes dos mutirões para atualizar as entrevistas.

Bjs