A crítica já falou bastande do novo livro de Milton Hatoun, Órfãos do Eldorado. A leitura do livro abre algumas possibilidades de análise: a recorrência do signo do duplo (que já havia em Dois irmãos), o antimito do Eldorado, a concisão narrativa que o autor conseguiu alcançar neste seu quarto. O leitor pode encontrar uma boa análise de Luiz Costa Lima no caderno Mais!, da Folha de S. Paulo (para assinantes).
O que eu achei mais interessante acrescentar é que esse é um livro em muitos sentidos "simbolista". Pensei isso após ler O castelo de Axel, do crítico Edmund Wilson. Nele, o crítico analisa a "literatura imaginativa", que, muito simplificadamente, é aquela que sugere mais do que diz, ou que tem essa intenção.
O livro de Hatoun é um livro construído em torno de imagens que, intencionalmente contrapostas, justapostas, repetidas, produzem esse efeito de "sugerir" interpretações. Vemos isso muito bem em uma dessas primeiras repetições de imagem, muito pouco "verossimilhante". Arminto Cordovil, o narrador, inicia sua história contando o caso de uma mulher que, quando ele tinha 9 anos, foi atrás de seu amor debaixo das águas do Amazonas, em busca de "um mundo melhor, sem tanto sofrimento, desgraça". Logo depois no texto, Armindo é chamado de louco por ficar olhando as mesmas águas em busca de seu passado. Isso não é verossimilhante, é sugestivo. Está ali para que o leitor interprete a história.
E essa escolha deliberada pela sugestão, no lugar da coerência dos personagens, não é comum na literatura contemporânea, nem é bem aceita pela crítica, a não ser quando está em autores excepcionais como Hatoun. Como já disse Harold Bloom, hoje em dia a ironia está fora de moda. E ironia é justamente sugerir o contrário do que se diz. (Para Bloom, um dos mestres da ironia era Thomas Mann, que também inseriu uma bela imagem do duplo no final da novela Morte em Veneza.) Guy Debord, em seu Panegírico, dizia que hoje em dia as pessoas não entendem nem a ironia, nem a citação sem aspas. Poderíamos acrescentar: nem a sugestão.
Leiamos, portanto, livros que, como Órfãos do Eldorado, pretendem sugerir ao leitor, não iludi-lo com a vessimilhança, que não é um predicado essencial da boa literatura, embora possa estar nela.
Um comentário:
Lucas, obrigada pelas dicas e comentários. Vou começar a ler os dois primeiros livros do Hatoun pro mestrado.
Eu e a Dê começamos a ler A Peste, do Camus. Vocês acha que essa ironia está presente no livro? Ou é um outro tipo de ironia, mais, digamos, visível?
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