Depois de anos como membro do Rio Voluntário, resolvi que era hora de me tornar, de fato, um voluntário. A primeira ação de que participei, no sábado passado, 17 de maio, foi uma festinha para os idosos da Casa Caminho da Felicidade, em Paciência. Mas sobre isso eu falo depois. O que me traz ao blogue, agora, foi o contato que tive com um dos voluntários, Silas, um jovem angolano residente no Brasil desde 1993.
Foi na volta da ação. Retornávamos eu, Guilherme e Silas de carona com Marcelo, que nos deixaria na Central. Já tinha reparado o sotaque do angolano desde a festa com os idosos, mas, como eu estava sendo introduzido ao grupo naquele momento, minha timidez não permitiu um contato mais próximo.
No carro, banco de trás, eu e Silas sentamos lado a lado. Papo-vai-papo-vem, resolvi perguntar: “Qual a sua nacionalidade?”. E foi aí que as histórias dele começaram a brotar, coloridas por sorrisos amplos e uma dicção quase cantada. Silas tem 14 irmãos, sendo oito deles por parte de pai. Além dele, três moram fora de Angola, na Espanha, Bélgica e Alemanha.
O simpático angolano, magro, de estatura média, vestia a camisa do Rio Voluntário, calça jeans, um tênis bonito e um chapéu que não me deixava ver seus cabelos. Dentes muito brancos e olhos muito escuros, da cor da pele. Há seis anos ele não visita os pais, que moram em Luanda. A passagem aérea, segundo me explicou, já foi mais cara. Hoje, é possível pagar a viagem com R$ 2 mil. Há um tempo atrás pagavam-se R$ 6 mil.
Mas para Silas a compra é ainda mais fácil. Alguém da família, lá em Luanda, consegue as passagens por poucos dólares. Ainda assim, os compromissos do rapaz aqui no Brasil acabam por absorver todo o seu tempo, e ele vai deixando as visitas de lado. Como compensação, familiares vêm passear no Rio. Silas mora em São Cristóvão e é formado em Turismo pela Universidade Plínio Leite, de Niterói.
Atua como voluntário em muitos projetos, há bastante tempo. No Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia, por exemplo, ele é um dos membros do grupo de recreação infantil. Já morou com uma das irmãs, em Bonn, mas não gostou dos germânicos. “Estar no Brasil é como estar em casa. A língua é a mesma, o clima é o mesmo, a alegria das pessoas é muito parecida”, disse.
Apesar das súplicas familiares, Silas recusa-se a ir morar na Europa. Me disse que trabalha em sua área de formação e, por uma confusão mental, acabou indo parar no curso de Fisioterapia do Bennet. Trancou a matrícula depois de seis meses, tamanha a insatisfação com o curso. Agora pretende iniciar Pedagogia, acha que tem mais a ver.
Ele me disse que Luanda é uma cidade grande e populosa. E que, com o fim da guerra civil, muitos se mudaram para as áreas urbanas, o que provocou um inchamento da capital. Como não há infra-estrutura que comporte esse êxodo, o povo sofre com a pobreza e o governo, por sua vez, não é capaz de evitar a favelização. Mas o angolado faz questão de dizer que o país está crescendo.
Perguntei por que o Bairro de Fátima tem uma comunidade tão grande de angolanos. “O que eles fazem ali?”, indaguei. Ao que Silas me respondeu: “É simplesmente um ponto de encontro que a comunidade escolheu na cidade”. Grande parte, inclusive, já sai de Angola munida de informações sobre a região, que fica perto do Centro do Rio. Para ele, é uma maneira de não se sentirem sozinhos e reverem conhecidos. “Já me deparei aqui com pessoas que moravam perto da minha casa, em Luanda”.
A maioria, porém, fixa residência na Vila do João, que faz parte do Complexo da Maré. A realidade é dura para a maioria desses imigrantes, mas ainda assim a vida parece melhor por aqui. Embora a realidade angolana seja quase sempre distorcida pelos meios de comunicação estrangeiros. Silas mostra-se inconformado com a maneira como as pessoas enxergam a África. “A idéia que vocês têm foi construída em cima das imagens de crianças subnutridas, seca, fome e pobreza. Mas não é só isso”, diz, completando: “Assim como a imagem que os europeus têm do Brasil é completamente deturpada”. Para matar minha curiosidade, resolvi navegar pela página no governo angolano (http://www.angola.gov.ao/) e descobri que tem muita coisa interessante acontecendo por lá.
Comentei que, durante minha passagem pela UFF, era comum convivermos com alunos de Cabo Verde. Silas confirmou, disse que se trata de intercâmbio universitário, e que os governos encarregam-se de arcar com os custos ao longo do processo. No caso dele, foi possível pagar o estudo particular com a ajuda dos irmãos que residem no estrangeiro.
Já nos aproximando do ponto final, disse a ele que gostaria muito de conhecer a África urbana, diferente da África dos safáris vendidos pelas operadoras de turismo do mundo todo. Elogiei a elegância do seu povo e a beleza de homens e mulheres, sempre com roupas novas e penteados impecáveis. Ele sorriu, sem graça, confirmando a preocupação com a aparência e lembrando que muitos deles compram roupas aqui para vender em Angola. É um bom negócio. Despedimo-nos com a promessa de trocar e-mails e manter contato ao longo do ano, nas ações promovidas pelo Rio Voluntário.
5 comentários:
Gu, também adorei a sua matéria.
Gostaria também que você contasse essa experiência do trabalho voluntário, que gera muitas dúvidas mesmo em quem trabalha em ONG há alguns anos, como eu.
Beijos!
Olha, Lili, ser voluntário requer, acima de tudo, vontade. Mas não é só isso. Acho importante também ter alguém (ou uma entidade) que te guie, que aponte um caminho. O Rio Voluntário faz esse papel. Através da ONG a gente fica sabendo das ações. Muitas delas acontecem no final de semana, o que facilita pra muita gente. As pessoas que participam são receptivas e, no caso do asilo, é comovente ver a alegria dos velhinhos com um simples abraço. É emocionante mesmo. Ah, nesse caso também demos um DVD de presente para eles.
Lindo seu texto, Gu. Como vc escreve maravilhosamente bem... E sensacional a história de Silas. Quero ir com vc em uma próxima vez. Prometo.
Um beijo.
Luv.
Ah, meu blog: www.desabaffa.blogger.com.br
Um elogio seu é uma honra para mim. Da próxima vez, pode deixar que eu te aviso. Tenho certeza de que você vai gostar.
Querido,
Antes de terminar de ler, sabia que o texto era seu! Lá estava a elegância conjugada ao português de primeira qualidade (*). Gostei muito também do tema voluntariado, me conte mais quando nos encontrarmos, esta semana ou em 2010! rs.
Bjs, saudades,
Alessandra
OBS: (*) Os grandes jornais e revistas não sabem o que estão perdendo...
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