25 de set. de 2008

Desafinação



Com inauguração prevista para dezembro, a Cidade da Música (Barra da Tijuca), que teve o custo total estimado em mais de R$ 460 milhões (em vez dos R$ 80 milhões previstos inicialmente), está causando polêmica. Além dos gastos considerados excessivos, que representam 20% do orçamento de investimentos da Prefeitura, e do atraso na obra – o cronograma inicial previa a entrega para 2004 - teve o estudo de viabilidade realizado apenas no ano passado, seis anos após o lançamento do projeto. Em março, uma CPI, idealizada pelo vereador Roberto Monteiro (PCdoB), foi instaurada para investigar o suposto mau uso do dinheiro público na obra.

Prometendo ser um dos mais imponentes centros de cultura da América Latina, a Cidade da Música tem também contornos nebulosos: o estudo de viabilidade realizado pela Ernst & Young, por exemplo, mostra que as receitas não serão suficientes para cobrir as despesas. A programação (concertos de música clássica, de ópera e dança, e sessões de cinema), garantirá uma receita estimada em R$ 21,2 milhões com uma despesa apurada em torno de R$ 21,01 milhões ao ano. A manutenção custará R$ 12 milhões anuais, valor que poderá ficar sob responsabilidade da Prefeitura, caso nenhuma empresa interessada em assumir a Cidade da Música venha a ser licitada.

A confusão está armada. De um lado os que consideram o empreendimento o mais ambicioso projeto público das últimas décadas – e um marco no cenário cultural brasileiro. Do outro, os que acreditam que o equipamento será um grande elefante branco, alegando a falta de interesse da população pela música clássica e desconfiando dos preços dos ingressos a serem vendidos. Na CPI, os vereadores se perguntam por que, em vez de gastar R$ 400 milhões na Cidade da Música, o Prefeito não implementou o programa estabelecido em 2000 de construção de bibliotecas e teatros nos bairros.

Projetada por Christian de Portzamparc, marroquino que estudou na École National de Beaux Arts (Paris), e idealizou projetos semelhantes em Paris e Luxemburgo, a Cidade da Música, que será a sede da Orquestra Sinfônica Brasileira no Rio, conquistou, junto com outras 146 obras ou projetos arquitetônicos de 38 países, no início de setembro, o Prêmio de Arquitetura Internacional 2008, oferecido pelo Chicago Athenaeum - Museu de Arquitetura e Design, em parceria com o Metropolitan Arts Press e a revista italiana “Abitare”. A única obra brasileira a ser premiada.

Terá 1.755 lugares na Grande Sala - que servirá para os concertos da OSB -, 1.250 lugares na Sala de Ópera, sete salas de ensaio, dez salas de aula e três cinemas de arte. O contrato de concessão prevê uma orquestra residente com no mínimo 70 músicos que fará dez apresentações em dois anos, regida por maestro com no mínimo cinco contratos internacionais. A concessionária a ser licitada deve ter, no mínimo, três anos experiência na gestão de equipamentos culturais. O complexo cultural contará ainda com midiateca e estacionamento para mais de 800 carros.

5 comentários:

Monique Cardoso disse...

Há, si, muitas questões em torno da Cidade da Música. As críticas, porém, sempre se escoram em comparações como a da CPI, a de que o dinheiro daria para constuir não sei quantas escolhas, asfaltar não sei quantas ruas, criar não sei quantos hospitais.
Uma cidade-metrópole, como o Rio, entretanto, não vive sem grandes empreendimentos culturais. Os prazos antes divulgados, pela imprensa, sempre foram especulações. Quem acompanha minimamente a área sabe que um empreendimento como este não fica pronto do dia para a noite. A construção irmã, o Cité de la Music, numa área super longe do burburinho de Paris, demorou quase 12 anos. Aqui, a construção está ficando pronta em menos de oito anos. O custo inicial divulgado para o projeto era de 80 milhões. Sim, para o projeto. Não para a obra.
Ninguém discute que praticamente tudo na atual prefeitura cheira à superfaturação. Entretanto, não há por que atacar o projeto em si, pois ele é maravilhoso. Tive a oportunidade de visitar a obra no ano passado, fiquei horas lá dentro. É simplesmente especial. Como é a Casa da música, no Porto.
No Brasil grandes projetos sofreram críticas duríssimas. O Maracanã provocou o maior bafafá. Queriam um hospital no terreno. Hoje todos se orgulham dele. Quando o teatro municipal foi construído, ele custou nada menos que 2% de todo o PIB nacional. Nacional!!! Foi erguido em quatro anos e era uma cópia fiel da Ópera de Paris. Não há carioca ou brasileiro que não o admire. E mais, que não lamente seu mal estado de conservação e sua programação pífia dos últimos anos. Embora tenha custado um valor exorbitante, e seja um patrimônio de valor histórico e arquitetônico inestimável, o governo do Estado tem grande s de dificuldades de passar o chapéu e arrecadar módicos 50 milhões (duas coberturas em Ipanema) para restaurá-lo e mantê-lo de pé por mais 100 anos.
Tenho certeza de que quando começar a funcionar plenamente, a Cidade da Música tem tudo para se tornar mais um orgulho do carioca. Já me imagino deitada em seus jardins, com livro na mão, aguadando a hora dos concertos de domingo à tarde.

Unknown disse...

MOnique e Gustavo, acho importante pensar se isso não é um grande momento da reorganização urbana que a prefeitura, há anos, tem realizado no Rio: quase uma transferência do Centro para a Barra, não? (Isso com seus prós e contras, claro.)

Gugu disse...

Inclusive, Lucas, acho que o futuro prefeito deveria pensar com mais carinho na revitalização do Porto do Rio. Algumas das mais importantes cidades costeiras do mundo possuem portos revitalizados, com espaços culturais, gastronômicos e de lazer, sem falar no entorno, que fica bem servido de sistemas de transportes, edifícios residenciais e centros comerciais. Todo mundo sempre prometeu cuidar da zona portuária carioca. Até hoje ninguém cumpriu...

Cláudia Lamego disse...

Gu, esse seria meu comentário: por que não fazer um projeto assim na área do Porto? Quando o lugar é bom, atrai as pessoas. O Trapiche Gamboa fica ali perto, numa área erma, e vive cheio. Virou referência. Imagine um projetão desse tamanho, atraindo outros, e outros e outros? A Barra é bastante discutível como novo eixo cultural. Mas aí entra um preconceito meu. Alguém imagina os moradores de lá preferindo ouvir música clássica a um Zeca Pagodinho no Credicard Hall???

Olívia Bandeira de Melo disse...

Fora o comentário preconceituoso da Dona Cláudia Lamego (apesar de eu, pessoalmente, também não gostar nem um pouco da Barra), concordo com todos os palpites. São diferentes ângulos da mesma questão, todos merecedores de discussão: superfaturamento, importância de mais um centro cultural, tentativa de "transferência" do Centro para a Barra.
Muito bacana o tema, Gu.