The Blindfolded, 2002 - Marlene Dumas
Sábado, duas horas da tarde, eu, Antônio e Marcelo pegamos o 996, em Niterói, e fomos em direção ao Flamengo. Já no Rio, na altura do Santo Cristo, o ônibus teve de dar meia volta, pegar um caminho alternativo para chegar ao túnel Santa Bárbara, pois o viaduto estava interditado. O motorista perguntou ao agente de trânsito da prefeitura qual seria o melhor trajeto a fazer, o agente respondeu, e seguimos em frente, nos perguntando qual teria sido a gravidade do acidente. Não consegui sentir um clima tenso no ar.
O dia passou, almoço delicioso no restaurante japonês, aniversário da sogra à noite no clima ameno da Praça São Salvador. No domingo, assistimos a uma bela apresentação do grupo Os tapetes contadores de histórias, na Caixa Cultural. Comentamos como o Rio de Janeiro é uma cidade maravilhosa, cheia de programas interessantes a preços baixos ou gratuitos (era o caso). Depois, assistimos ao documentário "Personal Che" e debatemos sobre ideologia e linguagem cinematográfica.
No sábado, o celular ficou desligado todo o tempo e pensei como era bom estar desconectada. Durante todo o fim de semana não abri a Internet e a única notícia que tive foi a morte do Jamelão, numa olhada relâmpago para a banca de jornal: o Extra deu a notícia em meia capa, enquanto O Globo ocupou um pequeno quadrado da parte inferior da página. Essa notícia não atrapalhou o clima fresco. Ao contrário, é bom homenagear o sambista que se foi aos 95 anos.
De volta a Niterói, no domingo à noite, o jornal ainda estava na porta. Peguei e deixei em cima da mesa, até a manhã seguinte, quando resolvi ler as manchetes do dia anterior, certa de que, apesar de viver na chamada "Sociedade da Informação", não havia "acontecido" nas páginas dos periódicos muita coisa que merecesse grande atenção.
No entanto, estava lá, quase 48 horas depois, o acontecimento por trás do desvio de rota que o 996 foi obrigado a fazer no sábado. Moradores do Morro da Providência queimaram um ônibus e apedrejaram outros em protesto contra a venda de três jovens, pelo exército, aos traficantes do Morro da Mineira. Não preciso comentar o caso, nem narrar os detalhes, pois o tema está sendo mais do que debatido.
No final de semana que vem, diante de outros acontecimentos, esses jovens já estarão esquecidos em meio a uma multidão de "notícias", porque a informação, nessa sociedade, tem vários pesos e várias medidas, tem cor e tem classe. Marcos Paulo, David e Wellington se tornarão apenas estatística.
4 comentários:
Essa aparente normalidade no resto da cidade me impressiona muito. Um dia, ao sair do jornal, tive que desviar de balas traçantes que vinham, acho, da Providência. Ao entrar na rua atrás do Balança mas não cai (o prédio famoso da Presidente Vargas), as pessoas bebiam e conversavam animadamente em bares. Como assim? Não estavam ouvindo os tiros? Não tinham medo? Talvez seja a necessidade de sobrevivência que nos faz esquecer tão rapidamente as mortes. Antigamente, a morte tinha mais repercussão.
Sobre os jornais, o Globo deu na capa de domingo, com foto de ônibus queimado, o conflito na Providência. Acredito que outros jornais também tenham dado. Por que você não viu?
Por que não li jornais e não naveguei na Internet durante todo o fim de semana. Vi, na banca, que o Jamelão tinha morrido porque o Extra deu a notícia em meia página.
Mas, se você pegar o Globo de hoje, vai ver como realmente já esquecemos essas mortes, porque são mortes em uma favela. Os nomes dos três não são mais citados. A polêmica é outra: o uso eleitoral do exército pelo Marcelo Crivella.
E aí me pergunto: por que esses candidados a prefeito não se manifestaram contra a presença do exército na Providência quando isso foi anunciado, no ano passado? Por que os jornais não questionaram isso antes? Por que a vida vale tão pouco e em três dias a gente deixa de se indignar com a venda de pessoas pelo poder constituído?
A resposta é: porque os políticos se aproveitam do momento (eleições) para aparecer, mesmo em meio a tragédias. Por que esquecemos? Porque não demora muito teremos outro escândalo, outras mortes, outros absurdos. E está tudo banalizado, todo mundo anestesiado, sem esperança, sei lá. Viu como diminuiu o tamanho das matérias sobre a morte da Isabela? Mortes que seguem...
Mas a gente nunca vai esquecer o nome dela, como esquecemos o do menino de três anos da Maré que foi morto pela polícia, em 2007.
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