28 de jun. de 2008

Manipulação da informação, nem sempre bem feita

A gente não cansa de comentar como a chamada grande mídia manipula informações, esconde dados e fatos, privilegia abordagens de acordo com seus interesses econômicos e políticos. Para que isso tenha eficácia e os leitores continuem a confiar no veículo, essas estratégias têm de ser bem feitas. A escolha de abordagem, a ênfase maior ou menor em certos assuntos, a "opção" por "não mostar" certos índices podem até aparecer. O leitor vai entender que faz parte da linha editorial do jornal e filtrar a informação. Mas deixar transparecer a manipulação de dados pega mal, né?

Foi o que aconteceu no jornal O Globo de hoje. Na sua matéria pincipal.

Título: "Geladeira nova, nem sempre cheia"

Subtítulo: "Pesquisa do Ibase mostra que 54,8% dos que têm Bolsa Família enfrentam restrição de comida"

Lide: "Mais da metade das famílias beneficiadas pelo programa Bolsa Família, do governo federal, passa fome ou não tem quantidade de alimentos suficiente em casa. Pesquisa divulgada hoje pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) traça um perfil dos inscritos e mostra que o padrão de consumo das famílias, por mais que enfrentem problemas para comprar comida, mudou. A transferência de renda serve, muitas vezes, como cartão de crédito para comprar eletrodomésticos, dada a regularidade dos depósitos."

Persongem (único) que ilustra a matéria: A dona de casa Clotilde Alves do Nascimento, de quem se diz: "Beneficiada no Piauí usa dinheiro para comprar geladeira, fogão e roupas".

Resumindo, o dinheiro do programa Bolsa Família, ao invés de ser gasto com alimentos, está sendo gasto com outros materias de consumo, com ênfase nos eletrodoméstico. Certo?

Não é isso o que os dados da pesquisa do Ibase dizem. O comportamento do dona Clotilde (e não quero aqui fazer qualquer juízo de valor, acho mesmo que dona Clotilde tem suas razões e seu direito de comprar geladeira, fogão e roupas) não é nem 1% do comportamento dos beneficiários do programa. Aliás, parece ser um comportamento tão raro que o índice não pode ser precisado. Os números da pesquisa estão estampados em gráficos no próprio jornal:

"De acordo com os titulares, o dinheiro do programa Bolsa Família é gasto principalmente com":

alimentação - 87%
material escolar - 46%
vestuário - 37%
remédios - 22%
gás - 10%
luz - 6%
tratamento médico - 2%
água - 1%
outras opções - menos de 1%

Diante desses índices, por que a ênfase na geladeira? Pegou mal - pro jornal. Pro leitor, matérias como essa tem uma função muito importante. Mostrar que a manipulação existe. Ou que o jornal pensa que seu público é burro.

3 comentários:

A digestora metanóica disse...

Ótima análise, Olívia.

Beira o ridículo esse elitismo, essa ênfase na compra da geladeira, ou do liquidificador, como se o governo já estivesse fazendo muito pela distribuição de renda e os bárbaros pé-rapados estivessem aproveitando mal a oportunidade de ouro.

E ainda mais geladeira... em última análise, Dona Clotilde é uma ótima administradora de recursos e optou por investir na conservação dos alimentos que chegam com tanta dificuldade em sua casa.

Moacy Cirne disse...

Concordo plenamente: ótima análise. A "grande mídia", mais e mais, transformou-se numa "grande mérdia". Abraços em todos.

Gugu disse...

Lili, muito oportuna a sua análise. Vivemos numa época em que esses detalhes passam despercebidos pela maioria. Ainda bem que temos esse espaço para protestar. Um beijo.