3 de jun. de 2008

Promiscuidade com a imprensa rendeu votos à Marina Magessi

O noticiário da manhã de hoje me deu náuseas. A rádio Bandnews FM, durante programa de Ricardo Boechat, divulgou gravações telefônicas autorizadas pela Justiça para a Polícia Federal em que a ilustre deputada federal Marina Magessi (PPS-RJ), ex-inspetora ou ex-delegada da divisão de entorpecentes do Rio (ela chorou em seu último dia na Polícia, não lembram???, pilantra!!) contando como negociava (NEGOCIAÇÕES, MUITAS VEZES, ENVOLVEM NÃO SÓ TROCA DE FAVORES, MAS TAMBÉM DE DINHEIRO) a exclusividade de reportagens sobre as operações que realizava, durante seu horário de trabalho como servidora pública, que fique claro, com a TV Globo e com o Jornal O Globo. No áudio é possível ouvir Magessi contando que fechou estas tais parcerias com os veículos para a cobertura da Operação Chave de Ouro, que prendeu jovens de classe média que traficavam LSD e ecstasy. A gravação registra a ex-inspetora conversando sobre o assunto no dia 01/12/2006 com o inspetor Hélio Machado, que hoje é procurado pela PF e está foragido. Marina Magessi ainda defende, em outro telefonema, a ação das milícias. Ela cita nominalmente Rodolfo, de O Globo. Pra quem sabe ler, um pingo é letra, já dizia a minha avó.

O link para se ouvir as gravações está no site da rádio. É claro que estas coisas acontecem, quem trabalha na linha de frente do jornalismo carioca está careca de saber. A PF do Rio adora "liberar" imagens para a Globo e só para esta emissora. E quando você pede estas imagens no dia seguinte ao da exibição, na maior cra de pau deslavada eles dizem que não têm, desconversam, enrolam. Ora. Uma operação policial ou de fiscalização é uma atividade caríssima aos cofres públicos e é paga com o dinheiro do contribuinte, que tem todo o direito de saber o que se passa na cidade onde vive. Uma coisa é um cidadão, leitor ou não, vender imagens exclusivas de uma cena que presenciou para determinado veículo. É o que fazem os profissionais freelancer. Outra é uma instituição pública fazer isso. É ilegal, imoral.

Marina Maggesi deixou a polícia civil pouco depois da tal operação em que aparecia como heroína para candidatar-se à Câmara dos Deputados. Há trechos da escuta telefônic em que ela comemora os mais de 3 minutos que ficou no ar na abertura do jornal nacional, com letra mínúscula, projetando seu nome e imagem a milhões e milhões de pessoas. Essa "fama" seria muito útil meses depois, quando ela botasse o pé na porta da casa das pessoas durante o horário eleitoral gratuito.

6 comentários:

Cláudia Lamego disse...

Nique, essa notícia é muito velha. O Globo, na época da divulgação das escutas, publicou os diálogos e respondeu em carta da redação à citação de seu diretor de redação, o Rodolfo Fernandes do seu texto.

Mas, vamos à discussão, que foi feita na época e também surgiu durante o escândalo do dinheiro apreendido com os "aloprados" petistas na PF (lembram do grampo do policial negociando com os jornalistas a divulgação da montanha de notas?): é justo fazer acordo de exclusividade com fontes, sendo agentes públicos ou privados?

Essa é uma prática antiga na imprensa. Todo repórter pede para a fonte dar a notícia só para ele. A perversidade é que você pode ser um ótimo repórter, mas se trabalha numa emissora sem audiência, babau. Quem tem a prioridade, e a Globo exerce esse poder sem pudores, é sempre a que causará mais impacto com a notícia. OU seja, a que tem mais Ibope ou que vende mais jornais ou a que informa à classe desejada (A,B,C ou D, no caso dos jornais populares).

Não entendi, quando você se refere às imagens, se é a polícia quem não as fornece no dia seguinte.

A Marina era uma dessas fontes do jornal, e não só do Globo. Um jornal carioca já ganhou prêmio Esso com notícias fornecidas por ela. A máscara dela caiu, para mim, no dia em que deu uma entrevista dizendo que os presos de penitenciárias lotadas já estavam "acostumados" com a situação, pois viviam assim nas favelas de onde vinham.

A relação da imprensa com as fontes, é sabido, envolve interesses. De um lado, os que querem divulgar um caso (por vaidade, ideologia ou para conseguir algo, como um cargo). De outro, a imprensa que quer dar furos, vender mais jornais. Resta aos jornais e TVs avaliarem sempre se a notícia vale a pena (tem o caso do pastor que levou um repórter do Globo a uma favela para mostrar como "salvava" vidas. Pode-se discutir se o jornal não está, sem querer, dando espaço a um charlatão).

Por último, gostaria de dar um alerta: nunca soube de notícia de troca de informações por dinheiro na grande imprensa carioca e atual. Isso era coisa dos Chatôs e coronéis do interior. Para fazer uma ilação grave como essa, é preciso estar muito embasada. E, se há base, que seja exposta. Não se trata aqui de inocência ou de defesa corporativista, mas de bom senso com as palavras.

Gugu disse...

É por essas e outras que eu tenho nojo do jornalismo e da política.

Olívia Bandeira de Melo disse...

Clau, acho super pertinente seu alerta sobre o cuidado com as palavras e acusações.

No entanto, o tema que a Nique levantou é super importante. Não é porque "uma prática" é "antiga" que ela pode ser legitimada ou naturalizada. E é isso o que a gente faz.

A gente quase não questiona, como fez a Nique, a postura de quem ocupa cargos públicos e tende a ser condescendente com algumas práticas de nossa profissão, em nome do furo, da audiência, da vaidade, da permanência no emprego e dos prêmios Esso.

Monique Cardoso disse...

releiam. o post não enfoca o comportamento da imprensa. enfoca o comportamento de entidades públicas. fala de como um representante público, pago com o dinheiro público, manipula a notícia segundo seus próprios interesses, e pior: às vésperas de eleiçòes. e ainda nem esconde. não se pode vender, dar, trocar, ceder, o que seja, o que não é seu. o interesse público não é algo negociável. é claro que a imprensa, qualquer que seja, quer a informaçao exclusiva. mas isso nem tá enfocado no post. é o inverso que está.
debater o comportamento da imprensa, aliás, é algo que cansa viu. me cansa muito pois já tenho meu próprio drama diário. bem mexicano, como vcs sabem. é chover no molhado, andar em circulos...não me inspira. engulo tant0os debates que gostaria de ter que até fico brochada. os dois lados do espelho deste post são graves. mas o que enfoquei me choca mais, o outro já pasteurizei, banalizei.

Cláudia Lamego disse...

Num mundo ideal, os jornalistas não precisariam recorrer a funcionários públicos para obter informações. Elas estariam disponíveis para todos, bastando fazer a consulta. Num país como o Brasil, sabemos que isso é impossível.

Lili, podemos e devemos ser críticos, mas é bem mais fácil fazer isso quando estamos do lado de fora. No dia-a-dia, temos que sobreviver. E não vamos negar que jornalista tem sede do furo, e não é só por prêmios ou promoções. Qual repórter não fica excitado diante de documentos exclusivos, com notícias relevantes, sobre qualquer assunto?

Se não fossem essas pessoas, que representam instituições como a polícia, o Ministério Público, a Justiça, nós não ficaríamos sabendo da metade das maracutaias que acontecem sob a burocracia do estado. Agora, como reconhecer quem está agindo de má-fé ou não vai do faro do jornalista. Ou, mesmo sabendo que a pessoa que denuncia vai obter vantagem, devemos analisar qual o ganho que aquela informação trará para a sociedade como um todo. É uma balança. Somos usados o tempo todo, e usamos também. Ninguém é inocente.

Por fim, Nique, você usa palavras que remetem aos dois lados da moeda, tanto à imprensa quanto as entidades pública. Promiscuidade e negociação pressupõe uma relação de mão dupla. Por isso, acho que, se não era essa a intenção, você usou palavras inadequadas.

Enfim, acho saudável sempre fazer a discussão, embora seja cansativo às vezes.

Olívia Bandeira de Melo disse...

Nique, é impossível falar que o ocupante do cargo público faz negociações sem falar com quem ele negocia. Afinal, como disse a Clau, "promiscuidade e negociação pressupõem relação de mão dupla".

Além disso, você bem sabe que, quando a gente escreve alguma coisa, abre inúmeras possibilidades de debate. Impossível ter controle sobre isso, mesmo usando as palavras mais "adequadas", "com cuidado".

Agora, em relação às críticas ao jornalismo, não me interessa o mundo ideal das redações. Assim como não me interessa o mundo ideal das ONGs, nem da Academia, os espaços em que estou metida neste momento. Existe, no ser humano, a vontade de buscar o mundo ideal, mesmo sabendo que ele não existe.

Não estou nas redações e concordo que falar de fora é mais fácil. Mas, para mim, pior é não falar. Para mim, é essencial problematizar os nossos espaços de atuação, questionar e tentar, sempre que possível, o diálogo com quem trabalha conosco, sejam "pares", sejam "superiores".

A menos que nos consideremos uma máquina capaz de separar o que a gente pensa do mundo do que a gente faz no dia-a-dia de nosso trabalho.