17 de abr. de 2008

Tapete Vermelho 1

Com algum delay, inicio uma minissérie de posts sobre bizarrices divertidas apesar de absurdas e alguma memória afetiva para não perder a oportunidade. As pérolas, nos dois sentidos, foram colhidas á beira do tapete vermelho da cerimônia de premiação da Academia Brasileira de Cinema, que leva o nome de uma operadora de celular e foi realizado na casa de shows patrocinada pela mesma operadora na segunda-feira chuvosa. Começo pela parte das lembranças, claro. Apesar de ainda não ter chegado aos 30, adoro lembrar. Dá a impressão de que vivi mais intensamente.

Sentada numa árida área destinada a jornalistas no mezanino da casa de espetáculos, eu o avistei, sentado à mesa com a mulher e uns cinco filhos, na primeira fila, pertinho do palco, em posição de destaque. Certamente ele era a pessoa mais famosa daquela platéia cheia de celebridades, muitas delas descartáveis como um palito de picolé. Uma colega havia informado que ele chegara cedo, respeitando o horário da cerimônia, que atrasou uma hora inteirinha. Vestia smoking e todos os seus estavam elegantes, porém bem discretos.

Competiam acirradamente (bocejoooo), com o maior número de indicações, os filmes Tropa de Elite e O ano em que meus pais saíram de férias. Fiquei arrepiada quando me dei conta de que este era o mais próximo que eu já havia chegado de meus maiores ídolos do cinema nacional. Ele estava lá e, mais tarde, se eu quisesse, eu poderia falar com ele, conversar. Minha atual posição, sem grandes dificuldades, permitiria isso. E ele me daria atenção. Também percebi que não assisti a nenhum de seus últimos cinco ou seis filmes, eu acho.

Despido de seu principal personagem, ele estava ali, atento a tudo, silencioso. Ninguém, mais que ele tinha o direito de estar ali. Afinal, duas ou três gerações de espectadores foram ao cinema levados por ele pela primeira vez, encantadas pelas histórias mirabolantes reveladas a cada novo roteiro. É certo que formou alguns, senão muitos, cinéfilos.

Sua mesa, como a de todos os convidados, só tinha água. O tempo vai passando e ele já não bate tantas palmas. Está sentado exatamente em frente a nova estrela de seus mais recentes longa-metragens.

Quando fui escalada para cobrir a tal cerimônia (devido a sua importância frágil, não me dei ao trabalho de ler o texto de divulgação contendo o programa da noite) não sabia que Renato Aragão seria homenageado. Daniel Filho (medo...) fora chamado ao palco para proferir algumas palavras sobre o artista, lembrar fatos marcantes de sua carreira. São 47 filmes e bilheteria de 125 milhões de espectadores, informa o apresentador enquanto cenas históricas dos filmes dos Trapalhões são exibidas. Impossível não ficar arrepiada e de olhos marejados, ao lembrar de que eu era feliz e sabia.

Ele já sabe que será chamado ao palco. Põe a mão no queixo, coça a cabeça. A esposa, percebendo seu nervosismo, afaga seu ombro para dar conforto. É incrível como uma pessoa com um trabalho amplamente reconhecido, muitas vezes laureado, ainda se emocione de tal maneira indisfarçável. Quem está ali, não é a estrela. É o jovem comediante, que estudou direito, e veio do Ceará tentar a sorte na vida artística no Sul Maravilha. Seu nome é anunciado e todos se levantam ao som ensurdecedor de palmas. Quem se emociona sou eu.

Se ele sempre teve reconhecidos sua empatia com o público e seu sucesso na TV, em seu discurso de agradecimento fica claro que ele esperava pelo reconhecimento da academia, dos críticos, dos que sempre fizeram o tal cinema sério, de arte.

"Quando eu saí do Ceará foi para fazer cinema. Fiz televisão a vida inteira para sobreviver", entrega ele. "Mas foi no cinema que vivi todas as minhas fantasias: fui herói, bandido, vilão, galã. Já fui perseguido por bichos, fantasmas. Enquanto o Didi batia no bandido na tela para salvar a mocinha, eu apanhava dos críticos aqui fora". Um tapa de luvas brancas.

Acho que Renato Aragão até se estendeu um pouco demais no discurso...ao final, não segurou o choro quando a filha, Lili - ela é princesa, fadinha, ninja e protagonista de sua vida e de suas produções que continuam a atrair sempre mais de 1 milhão de pessoas às salas de cinema brasileiras a cada lançamento, - entregou-lhe a escultura de acrílico desenhada por João Uchôa.

Finalizou dizendo que "não é para os que foram indicados e não ganharam ficarem chateados. Depois de 40 anos e 47 filmes, eu ganhei meu primeiro troféu".

A cerimônia acabou quase meia-noite e os jornalistas foram delicadamente expulsos. Quem quisesse fazer alguma entrevista deveria aguardar na calçada, apesar do vento gelado da noite chuvosa. A mocinha bem vestida de cabelos escovados dizia que Renato Aragão seria um dos primeiros a vir dar entrevistas. Esqueci da fotógrafa e me despedi rapidamente dos colegas (alguns deles se estapeavam para ouvir uma declaração qualquer da grávida Camila Pitanga). Tomei um táxi. "Laranjeiras, moço, por favor".

8 comentários:

Gardênia Vargas disse...

É Nique acompanheir a entrega de prêmios do início ao fim. Me emocionei com Renato Aragçao, o nosso Didi. Foi realmente sincero seu depoimento, e bonito ver a emoção não sendo mais contida quando sua filha mais nova entra com o troféu (sim, é um troféu) nas mãos ainda pequenininhas.

Ás vezes fico meio de saco cheio do programa (que devo ter visto uma única vez)na Globo. Hoje em dia o engraçado é o escrachado. Chato. Mas é só lembrar de alguns breves momentos de Os Trapalhões para me emocionar. Não foi só de ilariê que nossa infância foi feita, Ufa! Ela também pôde ser lúdica e dar umas belas gargalhadas com os pontapés dos quatro trapalhões.

E viva o Clown!

A digestora metanóica disse...

Bela lembrança, Nique, em todos os sentidos. Certamente o Renato Aragão foi o responsável maior pelas minhas primeiras idas ao cinema.

Ele sempre me pareceu um cara sincero memso, sobretudo porque não fazia questão de ser o Didi trapalhão full time - o que muitas vezes rendeu críticas e comentários desapontados.

Miragaya disse...

Um dos primeiros filmes a que assisti na vida foi "Os Trapalhões no Planalto dos Macacos", caso não esteja enganado, no ano de 1977 (tudo bem gente, sou velho mesmo). Foi no cinema Santa Alice, no Engenho Novo, que depois se tornaria um dos primeiros a virar igreja evangélica nos anos 80. O filme era uma espécie de sátira ao Guerra nas Estrelas e era muito divertido. Ria sem parar daquelas bobagens de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias (o meu preferido era o Mussum, talvez pelo aprecio ao "Mé" ou pela carioquice). Com o passar dos anos, os filmes do Renato Aragão perdeream fôlego e passaram a ser um desfile de atores de talento discutível (até a chata da Ivete Sangalo já participou!!!!). O próprio Renato acho que perdeu a mão, inclusive no programa dele na Globo, cujas piadas são bobas, previsíveis, grosseiras e sem graça. No entanto, não há como não reconhecer que ele é e foi um dos grandes humoristas do Brasil e um dos grandes realizadores do cinema nacional. Homenagem mais que merecida e justa.

Cláudia Lamego disse...

No sábado, ouvi o disco dos Saltimbancos Trapalhões, um dos inúmeros filmes que marcaram nossa infância... Às vezes, me pergunto se o programa e os filmes pioraram ou fomos nós que crescemos... Porque, Mira, naquela nossa época, eles usavam também atores da moda e discutíveis, vide Alcione Mazzeo, Xuxa, Monique não sei o que.
E a cena antológica do Didi hipnotizando o mágico, que era aquele ator careca-cabeludo, o Eduardo Conde, se não me engano (que sempre fazia vilões): "Eu vou popotizar você!"
Ahahahahah

Lucas Bandeira disse...

Renato Aragão, o maior escritor brasileiro depois de Paulo Coelho.
Ai ai ai, Brasil...

Racca disse...

Amiiiiiga.. Acho que o primeiro filme a que assisti no cinema foi dos Trapalhões. meu pai me levou! Não lembro agora qual era. Mas foi uma fofura. Beijos

Gugu disse...

Renato Aragão merece os nossos aplausos. Foi o único ator que conseguiu lotar o cinema de Barra do Piraí, o maior que eu já conheci. Me emociono só de pensar. Nique, linda a crônica.

Deia Vazquez disse...

Eu odiava os Trapalhoes, mas teve uma epoca que cismei de falar igual o Mussum. lol

Muito bom o relato, Nique.