17 de abr. de 2008

Depoimento n.3 - La Vazquez

Déia Vazquez é moderna. Habitante de Londres, selfproud geek, descolada, internética, antenada. Tem mania de rechear seus textos com expressões em inglês. Em sua playlist, muito rock and roll e eletrônico. Na tela de seu iMac cabe tudo: os filmes que baixa, os e-books que lê, a moda londrina, as críticas musicais, as notícias do mundo - e também as que ninguém além dela viu. O espírito inquieto nem sempre extravasa no corpo. Do que sabe, não sente tanta necessidade de falar; quando fala, é dum jeito corrido e super objetivo que cai bem com a sua pressa de viver. Prefere mesmo escutar os outros e engolir o mundo com aqueles olhos discretos apesar de brilhantes, e nisso ela é pura serenidade.

Déia Vazquez tem alma antiga. Filha de imigrantes, criada à paella e curtida no sangue galego que fervilhava nos almoços de domingo, ela entendeu desde sempre que sua terra seria o mundo. Sente-se herdeira do Todo quando se refugia no Arpoador e chora de emoção toda as vezes que seus pés tocam o solo espanhol. Experiencia uma fé que não se vê por aí, cheia de liberdade, poesia e reverência pelas belas diferenças que Deus(es) criou/criaram.

Era aquela menina grandalhona, franjuda, branquela de olhos verdes da minha turma de calouros de Comunicação da Uff, do segundo semestre de 99, e quando a vi pela primeira vez senti vontade de que se tornasse minha amiga, mas não imaginei que isso de fato aconteceria, porque ela me pareceu um pouco fria, meio low profile e auto-suficiente demais. Depois entendi que ela é intensa, mas, via de regra, vive suas emoções sem perder a paz e a tranquilidade. Na sua doçura, gosta de cuidar e nem sempre permite-se ser cuidada, mas isso nem de longe significa que ela desdenha oferta de carinho. 

Nossa aproximação foi lenta e gradual nos primeiros dois anos, até que vieram momentos especiais, viagens lendárias, gargalhadas memoráveis e lágrimas marcantes. Éramos muito diferentes, brigavamos pelos motivos mais babacas e durante muito tempo nossas viagens acabavam em profundos e efêmeros abalos na nossa amizade, muitas vezes originados no fato dela ser a pessoa mais sarcástica e mais implicante que conheço - o que faz dela a figura mais engraçada e quiçá a mais pentelha da minha vida.


Ela simplesmente sabe. De tudo, antes que se diga. Não acho que a nossa amizade se caracterizou pelas confidências trocadas, porque muitas vezes nem sinto necessidade de contar o que ela parece conhecer desde sempre. Minha impressão é que, quando vivo, ela acompanha de dentro de mim, vê com os meus olhos, porque praticamos um ritual mágico antropofágico em que uma degustou pedaços da outra para que nos mantivéssemos vivas no corpo de cada uma. Com os anos, nos confundimos. Muitas vezes, me escuto quando ela fala e a vejo no que digo, visto, ouço e assisto. 

Ela sempre foi muito espaçosa e cheguei a reclamar dessa característica, mas ela nem sabe o quanto atualmente reclamo em segredo, porque nem sempre sei lidar com esse espaço enorme que ela ocupa em mim e porque desde que ela partiu pra Londres em busca de si própria sinto uma falta que já doeu muito, nunca diminuiu, mas hoje, em certo sentido, me alegra. Por tudo o que vivemos, por ter podido conhecê-la e porque só alguém muito especial deixaria como rastro e herança essa saudade devastadora.

6 comentários:

Deia Vazquez disse...

Emocionei. Serio.

Mas eu nao sabia que era espacosa. Logo eu, a mais low profile?

Quem vai escrever o proximo depoimento?

Olívia Bandeira de Melo disse...

Adorei o depoimento. Vou ter que reescrever o meu sobre a Clau!

Cláudia Lamego disse...

Bela estréia, Gi Maia!

Gardênia Vargas disse...

amei!

A digestora metanóica disse...

Déia, espaçosa no sentido de me espremer quando dividíamos um quarto.

Lili, quando você falou ontem, achei que já tivesse postado. Fiquei catando quando cheguei em casa.

Clau, você escreve sobre o PP. Como me manifestei anteriormente, acho que isso é tramóia da administradora.

Garden, você não faz idéia de como é bom te ver atuante por aqui. Obrigada pela presença florida, meu amor!

Luciana Gondim disse...

Coisa linda, visceral...Também sinto essa saudade, do tamanho da rodovia Rio - London