6 de abr. de 2008

Não é racista quem é contra o crime

Depois que os vizinhos lá do lado de cima da América conseguiram arrumar a casa depois do 11 de setembro, acho que ninguém esperava por nenhum outro grande espetáculo em tão pouco tempo. Embora ainda esteja gozando do vigor dos vinte e muitos anos, não pensei que fosse viver tanto para ver um negro candidato à presidência dizer assim, sem pompa nem circunstância, em rede mundial, a Verdade indizível de que os estadunidenses são responsáveis por cada uma das mortes que o avião-bomba enviado por Laden ocasionou no fatídico dia 11. Logo se desculpou, é fato, mas disse. E o que a CNN transmite, nem Deus apaga. Tampouco imaginei ver uma alivíssima ex-primeira dama da maior potência mundial mendigar votos de negros, na tentativa de voltar para a White House e, com sorte, arrumar um estagiário disposto ao exercício da cunilíngua. E é justamente essa a melhor parte da novela: a campanha atual para seduzir “os afro-descendentes” em plena pátria-mãe do Jim Crow.

Para quem não acompanhou os capítulos anteriores, uma breve atualização. No início da trama, milhares de africanos foram feitos reféns e desembarcaram em uma parte do território hoje conhecido como United States of America. Foram soltos no campo e obrigados a trabalhar em troca de migalhas para dar gás à economia de plantation. Até que na segunda metade do século XIX, os brancos, por força de ares de liberdade que chegaram à América, foram obrigados a conceder o hábeas corpus aos africanos e seus filhos. 

O desespero, contudo, tomou conta dos donos da terra ao notar que as “pessoas de cor” queriam também votar e até (que petulância!) copular com gente de raça pura. A solução para manter a pureza e, de quebra, aquecer a economia veio na forma do Jim Crow – um conjunto de regras para manter pretos presunçosos bem longe dos brancos e de suas posses. Arrastados pela onda de limpeza étnica até as cidades, os negros se organizaram em guetos, que em pouquíssimo tempo ficaram superpopulosos, impregnados de doença e miséria. Durante a madrugada, saíam de suas ilhas de fome para alimentar a máquina fordista. Regressavam à noite, exaustos, para os guetos mal-cheirosos. Inconformados, muitos recorreram ao crime como forma de aumentar a expectativa de sobrevivência. E foram massacrados, com a conivência dos doutores da lei. Afinal, não é racista quem é contra o crime.

O resultado é que, quando enfim conseguiram o direito de ir às urnas (um século inteiro depois da abolição, vale dizer) grande parte da população negra estava atrás das grades. Um estudo bem interessante de John Hagan e Ronit Dinowitzer, intitulado “Collateral consequences of imprisoment for children, communities and prisioners”, revela que em 1997 quase um negro em cada seis, em todo o país, estava excluído das urnas por ter cometido “crime grave”. E mais de um quinto deles estava proibido de votar nos estados do Alabama, Connecticut, Flórida, Iowa, Mississipi, Novo México, Texas, Washington e Wyoming.

Como de lá pra cá não houve nenhuma grande (nem pequena) reforma no sistema penal estadunidense, é bem estranho esse interesse repentino de Obama e Hillary pelos negros. Já que, a considerar pelos números, os votos dos excluídos – incluídos aí na trama também os novos vilões do século XX, os chicanos - não têm força para eleger nenhum dos lados. Como meus parcos conhecimentos de política internacional e dramaturgia não me permitem prever o futuro, aguardo ansiosa as cenas dos próximos capítulos, torcendo para que nenhum dos dois vença, uma revolução aconteça e a Casa Branca mude de cor.

5 comentários:

Deia Vazquez disse...

Sempre querendo uma revolucao....

Gugu disse...

Pô, eu sou uma anta mesmo. Minha idéia era colocar um post aqui e acabei criando um blog. Merda...

Cláudia Lamego disse...

Oh, Lu, não esqueça de preservar minhas propriedades se a revolução vencer, hein! E quero um cargo também, para só me dedicar à família e ter um salário polpudo. :)

Lucas Bandeira disse...

Lu, leste a reportagem sobre o Barak da Piauí do mês passado. O próprio Obama não acredita muito em revolução, mas tem uma postura muito interessante e menos autoritária do que costuma ser a dos presidentes gringos.

Lucas Bandeira disse...

Em outras palavras: se não der pra revolucionar aquele troço lá, que pelo menos seja alguém que escute.